LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020
Carlos Henrique Barth
Macaé/RJ
Doutor não trabalha
Entro no táxi e tento parecer uma pessoa sociável. Bom dia. E esse tempo?
Será que chove? E o mengão? Aeroporto, por favor. Não o Galeão, o de
Jacarepaguá. Sim, vou embarcar. Sim, trabalho em uma plataforma de petróleo.
Não, não sou da Petrobras, sou terceirizado. Não, não, também não sei nada
desses esquemas de corrupção.
O Rio continua aquela coisa caótica e linda que encanta e assusta ao
mesmo tempo. Pela Linha Amarela, por favor. Senão o cara faz um tour pela
cidade e o valor da corrida se torna astronômico e fica difícil justificar o gasto na
empresa. As pinturas de Gentileza sobrevivem, convivendo com a as da senhora
que promete trazer o amor de volta em três dias.
Pois é, está calor. O ar-condicionado acabou de estragar? Agora há pouco?
Justo hoje? Engraçado, sempre que pego táxi no Rio o ar-condicionado acabou de
estragar... Que má sorte a minha.
Alguns xingamentos aos outros motoristas, alguns comentários baseados
em correntes de Whattsapp. É verdade? Então o Lulinha é mesmo dono da
Friboi? Conto até dez. Prometi nunca mais entrar em discussões inúteis com
desconhecidos. Claro, claro, concordo com o senhor. A culpa, no fundo, no fundo,
é do povo, essa entidade mística e impessoal da qual não fazemos parte.
Teve arrastão na Linha Vermelha? Hoje?! Caramba! Pois é, não sei se
liberar a pena de morte resolveria. Então o senhor vai votar naquele cara pra
poder comprar uma arma? Melhor pensar melhor... Respiro fundo.
Passamos por uma barricada dos Fuzileiros Navais na entrada do Complexo
do Alemão. O taxista se exalta, lembra de como era bom na época da ditadura.
O senhor acha que os militares deviam assumir o poder? Me faço de
desentendido.
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