Revista LiteraLivre 19ª edição | Page 47

LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020 Carlos Henrique Barth Macaé/RJ Doutor não trabalha Entro no táxi e tento parecer uma pessoa sociável. Bom dia. E esse tempo? Será que chove? E o mengão? Aeroporto, por favor. Não o Galeão, o de Jacarepaguá. Sim, vou embarcar. Sim, trabalho em uma plataforma de petróleo. Não, não sou da Petrobras, sou terceirizado. Não, não, também não sei nada desses esquemas de corrupção. O Rio continua aquela coisa caótica e linda que encanta e assusta ao mesmo tempo. Pela Linha Amarela, por favor. Senão o cara faz um tour pela cidade e o valor da corrida se torna astronômico e fica difícil justificar o gasto na empresa. As pinturas de Gentileza sobrevivem, convivendo com a as da senhora que promete trazer o amor de volta em três dias. Pois é, está calor. O ar-condicionado acabou de estragar? Agora há pouco? Justo hoje? Engraçado, sempre que pego táxi no Rio o ar-condicionado acabou de estragar... Que má sorte a minha. Alguns xingamentos aos outros motoristas, alguns comentários baseados em correntes de Whattsapp. É verdade? Então o Lulinha é mesmo dono da Friboi? Conto até dez. Prometi nunca mais entrar em discussões inúteis com desconhecidos. Claro, claro, concordo com o senhor. A culpa, no fundo, no fundo, é do povo, essa entidade mística e impessoal da qual não fazemos parte. Teve arrastão na Linha Vermelha? Hoje?! Caramba! Pois é, não sei se liberar a pena de morte resolveria. Então o senhor vai votar naquele cara pra poder comprar uma arma? Melhor pensar melhor... Respiro fundo. Passamos por uma barricada dos Fuzileiros Navais na entrada do Complexo do Alemão. O taxista se exalta, lembra de como era bom na época da ditadura. O senhor acha que os militares deviam assumir o poder? Me faço de desentendido. [44]