LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020
Chegamos na Linha Amarela. Estamos convivendo há mais de 10 minutos,
tempo suficiente para qualquer carioca se sentir íntimo e começar a investigar
minha vida pregressa:
— Mas o patrão – detesto ser chamado de patrão - trabalha com o quê?
— Sou engenheiro...
Nem deu pra completar. O tratamento mudou completamente.
— Então o patrão é doutor!!!
Ainda tentei explicar que não era doutor, mas um mero bacharel. Nem a
titulação de mestre alcancei, quem dirá a de doutor!
— Mas você não trabalha, não é? – me olhando com expectativa.
— Como assim? – respondi entre surpreso e confuso – Sim, eu trabalho
como engenheiro...
— Nãããão – esclareceu o taxista com um sorrisinho cúmplice no rosto – eu
digo trabalhar, trabalhar mesmo, a valer. Botar a mão na massa. Suar a camisa.
Você só manda, não é?
— Não. Na verdade faço tudo, desde montar as ferramentas até limpar elas
depois.
Aquilo foi uma decepção total para o taxista. Balançava a cabeça
negativamente.
— Isso não está certo, não. Eu achava que o engenheiro só mandava nos
técnicos. Eu conheço engenheiros que só mandam. Nunca vi um que trabalhasse
de verdade...
Isso é mais normal do que deveria. Desgraçadamente, normal entre nós,
brasileiros, porque para os gringos é perfeitamente natural que um engenheiro
rale como qualquer outro trabalhador. Tento desmistificar o mal entendido.
— Muito pelo contrário. Trabalho pesado, me sujo de lama, de graxa...
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