Revista LiteraLivre 19ª edição | Page 28

LiteraLivre Vl. 4 - nº 19 – Jan./Fev. de 2020 — Ah! Seria melhor tomar o susto com a “caveira” do que ficar sem o livro dela. Era um caso complicado de paixão por letras, embora tão pequena e indefesa. O tempo passou e outro fato me aconteceu de interessante. Meus primos moravam “na rua” e levaram pra mim um gibi em quadrinhos com histórias do faroeste americano. Fiquei imensamente alegre e voltei às minhas atividades de “leitura”. Fingia ler quadrinhos por quadrinhos e de acordo com as figuras inventava “textos”, “diálogos” para as cenas. Acontece que naquele tempo criança não tinha vez, nem voz para ser ouvida, consultada ou respeitada. Meus pais estavam de mudança para a “rua” e minha mãe precisava embalar as louças dela (presentes de casamento) de grande estimação. Sem nenhuma cerimônia pegou o meu “livro” e foi tirando folha por folha para proteger as louças, colocando-as embrulhadas num caixote. Perplexa, assisti à cena, com o coração apertado, pensava - quando chegarmos à casa nova “vou vigiar” este caixote e construir o meu livro de novo. Assim, o fiz, esperei chegar à nova casa e quando a mamãe desembalou as louças foi jogando as folhas ao chão e eu as apanhava alisando-as com as minhas frágeis mãozinhas de criança. Esperei que a mamãe colocasse brasas no ferro de passar roupas e depois que ela passou toda a roupa peguei o ferro e passei todas as folhas do meu “livro”, com muita dificuldade, o ferro era pesado demais para minha pouca idade. Com dificuldade convenci a mamãe de me dar um pouquinho de farinha de trigo e numa lata usada eu fiz um grude que era a “cola” que eu tinha na época. Colei então folha por folha e este foi o meu “livro” por muito tempo. No ano seguinte fui matriculada na escola primária quase alfabetizada pela minha irmã e minha mãe. Ganhei então o meu primeiro livro que era a mesma Cartilha do Povo da minha irmã que eu dominei rapidamente os códigos de leitura e então, a professora deu-me um livro de histórias que foi um encanto para mim. Chamava-se “O Bonequinho Doce”. Contava a de um bonequinho de açúcar (as ilustrações eram bonitas e coloridas) que fazia viagens e passava por peripécias nessas viagens e teria que atravessar um rio pressionado por muitos perigos. Nesse gesto heroico ele joga-se no rio para fugir do inimigo e derrete-se nas águas só restando na superfície o lencinho vermelho do seu pescoço. Chorava muito com pena do meu Bonequinho Doce toda vez que lia e relia aquela mesma história. Mudando para a cidade conheci vizinhos em melhores situações econômicas. Então, na sala do Sr. A. T. Coletor Estadual – MG eu mergulhava num quartinho entulhado de livros e registros. Enfim, encontrei espaço, liberdade para o meu pensamento que crescia. Era a minha biblioteca sonhada. Eu estava me descobrindo como leitora e letrada, viajava no meu silêncio pelas Montanhas [25]