Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 90

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 – É só mais um minuto. É só mais um segundo. Acaba o expediente. Levanta-se. Vira as costas para o computador. Pega as chaves do carro. Chega até o banco do automóvel. Senta-se. Sai pela garagem. Entra em uma esquina. Para em um sinal. Diz não para uma criança que tem um pequeno rodo numa mão e uma garrafinha pet cheia de detergente diluído em água noutra. Pensa que é um absurdo que existam crianças nas ruas, mas não faz nada, pelo motivo de que não tem tempo para discussões e para criar mais problemas além daqueles que já estão postos a ele. Julga que aquela criança possa estar pedindo dinheiro para comprar cola, outra razão para não dar dinheiro, mas não tenta ajudá-la de outra forma, pelo motivo de que não tem tempo para discussões e para criar mais problemas além daqueles que já estão postos a ele. Chega em casa de noite, tarde demais para ver o filho acordado que passou a noite esperando pelo pai que não veio cedo o suficiente. Levanta-se. Sai pela porta do motorista. Sobe as escadas da garagem. Encontra com a esposa na cozinha. – Oi, como foi o seu dia? – Ótimo, e o seu? – Também foi muito bom. Mentem, mas não querem preocupar um ao outro, não têm tempo para discussões e para criar mais problemas além daqueles que já estão postos a eles. Escova os dentes. Alonga os músculos tensos pelo cansativo dia de trabalho. Deita em sua cama. Fecha os olhos, as únicas partes do corpo que ele consegue mexer naquele instante. Dorme, paralisado. @GustavoPortoH [87]