LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Regina Ruth Rincon Caires
Campinas/Araçatuba/SP
Dores e Amores
Ajeitada na velha cadeira colocada na calçada da pequena hospedaria que
administra, Carminda observa a noite que cai. O costumeiro xale a lhe cobrir os
ombros, os pés metidos em sapatos de pano, aspecto que em nada lembra a
menina cheia de ideias que foi um dia. Desolada, de cabelos brancos, opacos,
olha o movimento rotineiro das pessoas da vila. Em intervalos longos, os carros
passam. Lentos. Mas, mesmo assim, a poeira da rua pouco cascalhada incomoda
os olhos. Acende um cigarro, contrariando a ordem médica. Não quer saber.
Atingiu uma idade em que apenas atende as próprias vontades. As mais simples.
Para as outras, já não há espaço.
Sonhou tão alto. Não foi infeliz, mas deveria ter nascido num mundo mais
avançado. Sentia-se adiante no tempo. Aquele lugarejo tolhera seus horizontes.
Traz tanta coisa no peito, tanta fala engolida, mas, ali, nem as opiniões podiam
ser externadas. Ela sempre foi diferente, ninguém compreenderia. Só o marido,
companheiro dos voos sonhados. Voaram, ainda que só em pensamento.
Pensa nos pais. Estrangeiros, fascinados pela promessa de conquistas aqui,
nesta terra, cruzaram o oceano a bordo de um navio apinhado de esperançosos,
desembarcando em Santos, no ano de 1918. Na bagagem, força de trabalho e
sonhos. Prosperaram. E testemunharam que conquistas não são apenas riquezas.
Foram felizes, ainda que por pouco tempo, mas foram. Tiveram duas filhas:
Angelita e Carminda. Lindas, saudáveis. Certamente, as maiores vitórias.
Época de grandes epidemias, a mãe, de início, resistiu a um acometimento,
mas não teve a mesma sorte quando enfrentou a escarlatina. Dias e dias de
delírio, febre insana. Não resistiu. As meninas entravam na fase da adolescência.
O pai, caixeiro-viajante, sem alternativa, internou as meninas num famoso
colégio que ficava na Capital. Instituição renomada e dirigida por religiosas.
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