Revista LiteraLivre 18ª edição | Page 174

LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019 Começou a peleja. Uns jogaram descalços, outros com chuteira herdada do irmão mais velho, outros tantos com kichute ou tênis inapropriados para o campo (na verdade, uma mistura de gramado com pasto). A disputa foi dura, ríspida, todos jogaram com muita raça e amor, como se fosse a decisão de uma copa do mundo. Mas com absoluta lealdade. Não havia torcida, melhor, tinha um torcedor do time da casa, o Remi, filho mais velho do dono da fazenda, que por ser adulto não pôde entrar no jogo. Ele incentivava, o tempo todo, os meninos da fazenda. Mesmo mais cansados pela viagem e com o torcedor contra, os garotos da cidade venceram: 4x2. E levantaram o primeiro troféu de suas carreiras como jogadores de futebol. Fizeram a volta olímpica, gritaram, comemoraram e entoaram hinos improvisados. Estropiados e com fome, os vencedores (a maioria deles) só perderam o entusiasmo quando lembraram que teriam que voltar a pé até suas casas. Nos cavalos e nas bicicletas não havia garupa para todo mundo. Foi então que apareceu uma camionete e o motorista gritou: entra aí, molecada, eu levo vocês até a cidade. Ufa! A meninada subiu correndo na carroceria do veículo e respirou aliviada. Quando avistaram as primeiras casas da pequena cidade, começaram a cantar o hino do Ideal, mesmo sem serem atletas do clube. Após certa hesitação, os meninos pediram ao motorista para diminuir a marcha da camionete. Orgulhosos, queriam exibir o troféu aos moradores. O motorista diminuiu, os garotos entraram em triunfo cantando os cânticos de vitória que aprenderam com os mais velhos. As mães, os pais, os irmãos e outros moradores aplaudiam. Foi uma festa. O motorista da camionete era Remi, o torcedor do time adversário. Ele entrou em um bar, chamou os meninos e pagou refrigerante para todos eles. Era uma vez o futebol jogado com amor. Era uma vez o jogo frequentado pelas famílias. O marido e a mulher, o pai e o filho, torcedores adversários, chegavam e saíam do campo de braços dados. Era uma vez a rivalidade que animava a disputa, não a briga de gangues. Era uma vez a torcida dividida nos estádios. Era uma vez os desportistas. Saudade desse tempo, saudade de gente como o Remi. https://www.facebook.com/raimundo.nogueirasoares [171]