LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Começou a peleja. Uns jogaram descalços, outros com chuteira herdada do
irmão mais velho, outros tantos com kichute ou tênis inapropriados para o campo
(na verdade, uma mistura de gramado com pasto).
A disputa foi dura, ríspida, todos jogaram com muita raça e amor, como se
fosse a decisão de uma copa do mundo. Mas com absoluta lealdade. Não havia
torcida, melhor, tinha um torcedor do time da casa, o Remi, filho mais velho do
dono da fazenda, que por ser adulto não pôde entrar no jogo. Ele incentivava, o
tempo todo, os meninos da fazenda.
Mesmo mais cansados pela viagem e com o torcedor contra, os garotos da
cidade venceram: 4x2. E levantaram o primeiro troféu de suas carreiras como
jogadores de futebol. Fizeram a volta olímpica, gritaram, comemoraram e
entoaram hinos improvisados.
Estropiados e com fome, os vencedores (a maioria deles) só perderam o
entusiasmo quando lembraram que teriam que voltar a pé até suas casas. Nos
cavalos e nas bicicletas não havia garupa para todo mundo.
Foi então que apareceu uma camionete e o motorista gritou: entra aí,
molecada, eu levo vocês até a cidade. Ufa! A meninada subiu correndo na
carroceria do veículo e respirou aliviada.
Quando avistaram as primeiras casas da pequena cidade, começaram a
cantar o hino do Ideal, mesmo sem serem atletas do clube. Após certa hesitação,
os meninos pediram ao motorista para diminuir a marcha da camionete.
Orgulhosos, queriam exibir o troféu aos moradores.
O motorista diminuiu, os garotos entraram em triunfo cantando os cânticos
de vitória que aprenderam com os mais velhos. As mães, os pais, os irmãos e
outros moradores aplaudiam. Foi uma festa.
O motorista da camionete era Remi, o torcedor do time adversário. Ele
entrou em um bar, chamou os meninos e pagou refrigerante para todos eles.
Era uma vez o futebol jogado com amor. Era uma vez o jogo frequentado
pelas famílias. O marido e a mulher, o pai e o filho, torcedores adversários,
chegavam e saíam do campo de braços dados. Era uma vez a rivalidade que
animava a disputa, não a briga de gangues. Era uma vez a torcida dividida nos
estádios. Era uma vez os desportistas. Saudade desse tempo, saudade de gente
como o Remi.
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