LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
O vigia então começa a se preocupar ainda mais com o ar insólito daquilo. O
estado doentio do guarda anterior parecia ter se manifestado em alguma
obsessão pelo histórico tétrico do bairro. O clima sombrio e nebuloso daquela
área parecia tê-lo prejudicado de tal forma que precisou se retirar.
Os livros contidos na mala eram ainda mais curiosos. Uma bíblia e um caderno
antigo, de capa dura e desgastada, onde conseguia-se ler apenas A última hora,
em baixo-relevo. Em seu interior, as páginas amareladas estavam em branco,
exceto por alguns versos, escritos à mão, na última página..
Lenta, lenta hora.
Em tudo ecoa
Alma que se ignora
Tudo é tão doente
Um pesadelo que se sente
De si próprio ausente
E ainda ela bate à porta
Lenta, lenta
Hora morta
Que haja piedade
Bruma e ocaso que invade
Hora vazia e sem vida
E sombria e perdida
Em agonia que não se conforta
Lenta, lenta
Hora morta.
O sino do relógio então o retirou do estado absorto em que ficou após examinar o
conteúdo da mala. Onze horas. Deveria se preparar para ir embora. No entanto,
confuso sobre o que pensar daquilo, decide ficar mais um tempo. Esperar ali até
pelo menos o próximo guarda rendê-lo. De fato, havia ficado um tanto
atarantado pelo material. Repentinamente o peso de estar ali, no quarto no meio
do vazio, do lugar rejeitado e disjunto de tudo, o assombrou. O guarda anterior
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