LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
O relógio despertador que trouxe de casa contava as horas em seus ponteiros
precisamente com um clique a cada segundo. Às onze da noite ele soaria alto,
informando o que dali a quinze minutos deixaria seu posto e retornaria para casa,
caminhando pela noite com sua lanterna.
A caminhada no breu que fazia durante esses dias possivelmente deixaria
qualquer um em temor. A escuridão e o silêncio despertam essas emoções
comumente. No entanto, ele não se sentia afetado por isso. Há tempos que
estava na profissão de vigilante, e para exercer esse ofício era imprescindível a
falta de melindres. Era ele também um tipo que gostava de solidão, portanto
nada melhor que o caminho de volta a sua residência para a contemplação.
Em uma dessas reflexivas caminhadas começou a questionar o que deveria ter
acontecido de tão insueto a ponto de fazer residentes daquele bairro deixa-lo
daquela forma. Embora achasse curioso no princípio, quando conheceu o bairro,
não era tão incomum o êxodo em sua cidade, dado o momento de crise
econômica em que viviam. No entanto, o bairro parecia ter sido enjeitado por
outras circunstâncias.
Em uma das noites, após a costumeira palavra-cruzada e servir-se de sua janta,
ele repara jogado displicentemente sobre uma das mesas um caderno. Era a
folha de ponto, onde estava anotado os horários de serviço. Não havia sido
orientado a preencher nenhum relatório, mas parece que era algo que deveria ter
feito. Diariamente, durante quase um ano inteiro, o vigia noturno anterior havia
marcado seus horários. Sempre com certa pontualidade, chegava ao cair da noite
e deixava o local pouco depois das onze horas.
Nos últimos dias de serviço, no entanto, havia estendido seu horário. Onze e
meia, quinze para a meia-noite, até culminar na última noite, onde havia anotado
seu horário de saída a meia-noite e um, exatamente.
Aquilo o alarmou por um instante. De repente, o abandono do bairro e a saúde
do vigia anterior começaram a lhe parecer algo mais grave do que pensou a
princípio. Preocupado, começou a vasculhar o quarto em busca de alguma pista
do que teria acontecido. Embaixo da cama, então, encontra uma mala de
viagem. O nome na etiqueta dela não deixava dúvidas de que pertencia ao antigo
vigia.
Ao abri-la e vasculhar seu interior, ele se depara com recortes de jornais e livros
antigos. Os recortes pareciam seguir sempre o mesmo tema. Reportagens sobre
casos macabros ocorridos na cidade. Possessões demoníacas, avistamento de
espíritos, assassinatos ritualísticos. Tudo relatado em recortes de tabloides
datados de dezenas de anos atrás, com um antecedente em comum: Aquele
bairro.
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