LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
prédio não era diferente dos arredores em que se instalava. Aquele subúrbio
ermo, onde vivalma parecia não existir, era coalhado de sobrados, casas,
comércios e demais edifícios em semelhante situação. Onde deveria haver vida e
prosperidade outrora, agora apenas o silêncio, a ruína e o desamparo reinavam.
Mas o serviço era bem pago. Então, mesmo acreditando que vigiar aquele lugar
era desnecessário, ele havia aceitado o trabalho sem pestanejar. Os donos do
quarteirão em que ficava o pequeno prédio o contrataram para início imediato, o
informando que o vigilante anterior, infelizmente, havia deixado o serviço por
questões de saúde, e eles não poderiam deixar o prédio a descoberto por muito
tempo. Ele não questionou o porquê disso e prontamente aceitou a vaga de
vigilante noturno.
Uma única ressalva os patrões fizeram a ele: Deveria deixar seu posto antes da
meia-noite. Um outro vigia atenderia o próximo turno, mas deveria chegar
apenas após a uma hora da madrugada, portanto não seria necessário espera-lo.
Em seu primeiro dia, chegou ao lugar carregando apenas uma mochila. Nenhuma
linha de ônibus do centro onde morava iria deixá-lo no bairro esquecido. Apenas
uma linha o levava para os lugares mais afastados da cidade e uma caminhada
de quase hora para ele finalmente chegar ao seu local de serviço.
Apenas um quarto do apartamento estava em condições habitáveis. Reformado,
o quarto deveria também ter sido o posto de trabalho do vigia anterior. Com as
paredes pintadas, uma pequena cozinha equipada e o banheiro limpo e funcional.
Além de um conjunto de telas, que ele rapidamente descobriu como operar,
ligadas às câmeras de vigilância por todo o quarteirão.
Ficaria ali, então, apenas monitorando os televisores.
Nas primeiras noites, a desconfiança de sua utilidade ali se confirmava. Nada
acontecia naquela zona lúgubre. Apenas as horas passando morosamente. Nem
um animal na rua era captado pelos monitores. O bairro havia sido
completamente deixado. Não havia ninguém para invadir ou reclamar aqueles
prédios. Os seus próprios patrões pareciam desinteressados. Não entraram em
contato com ele durante todas essas noites, solicitando reportes ou apenas para
saber se ele estaria comparecendo ao seu posto. Também não havia se
encontrado com o vigia diurno, já que havia um hiato entre seu horário de saída
e a entrada dele.
Entediado, ele tentava descobrir, todos os dias, alguma maneira de passar as
vagarosas horas. Trazia palavras-cruzadas de casa, seu passatempo predileto, as
preenchendo com atenção enquanto levantava a cabeça raramente para olhar as
telas filmando o nada acontecendo.
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