LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Deslumbrava-me, ora pela bravura com que enfrentava as adversidades, ora pela
brandura em seus gestos e palavras. Quisera tê-lo descoberto antes, em sua
lucidez plena. Eu o admirava, a ponto de me esquecer do mundo lá fora ao pisar
aquele espaço. E havia um fascínio em ouvir sua prosa mansa e detalhada...
Diante dele, tão pleno de si, eu me via menina. Era forte, intenso. Eu, um nada.
Uma infante cativa na penumbra das expectativas. Permanecemos calados. Eu,
na ânsia daquele presente, ele, quem sabe, por já entender que o essencial
sempre estivera no não dito. Eu e ele, frente a frente... Logo, a realidade parecia
não mais pesar sobre mim. Eu era arrebatada pela sua doçura, quando a voz
ácida da enfermeira se fez ecoar pelo amplo pátio. Hora de me retirar, de voltar à
minha rotina, a qual me tem prisioneira. Ele – não tenho dúvidas – é pássaro
nesse mundo passageiro. Despedimo-nos. Sem palavras. Mas, enquanto me
afastava, já alcançando o portão de entrada, qual não foi minha surpresa...
– Aqui todos me chamam de Duda, mas meu nome é Arquimedes! – gritou-
me de onde estava com as mãos em concha no entorno da boca.
Pela primeira vez deixei feliz aquele lugar. Afinal, ele se lembrou do próprio
nome. Quem sabe um dia vovô também não volte para casa...
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