LiteraLivre Vl. 3 - nº 18 – Nov./Dez. de 2019
Aparecida Gianello dos Santos
Martinópolis/SP
Meu nome é Arquimedes
Fazia anos que eu frequentava aquele lugar, mas nunca antes havíamos tido
um contato tão íntimo quanto ao da última visita. Logo que cheguei fui direto ao
pátio. Era lá que ele gostava de passar as horas mormacentas do dia. Absorto,
sequer notava o próprio tempo passando. Era quase fim de inverno, as folhas
faltavam em quase todas as árvores e o sol incidia radicalmente em seu rosto
sulcado pelas rugas. Por vezes parecia até se inteirar à paisagem opaca daqueles
dias. Deleitava-se com a presença dos pássaros, especialmente os canoros. Além
da paixão pelos amigos emplumados, cultivava ainda uma calma imutável a qual
se percebia facilmente em seu gestos desapressados de ser. Chamavam-no, ali,
seu Duda. Bem apessoado, de fala compassada e de um cavalheirismo notável,
ele se destacava entre os habitadores do velho abrigo. Era conhecido ainda por
contar estórias, embora nada soubesse de si mesmo. Quem sabe não tivesse
uma boa razão que o animasse às lembranças...
Eu, que sempre procurei ficar mais retirada, nesse dia tive a denodada ideia
de penetrá-lo. Meu mais audacioso plano era nada mais nada menos que invadir
seu mundo, romper com seus esquecimentos feito criança malina. Para meu
espanto, assentiu. Veio de encontro, desconstruindo-me por completo.
Parecia
esperar por aquele momento, o que eu não esperava. Uma sensação de
embaraço e êxtase foi me tomando à medida que fomos nos beirando. Seus
olhos, de um azul profundo a doer os meus, focaram-me tão ternos. Como queria
desvendá-los! Compreender seus mistérios, penetrar seus anseios, alcançar
quimeras, reminiscências... Será que havia ainda em sua mente algum lugar cujo
tempo não bagunçara?
Minhas mãos suavam, meu coração dilatava palpitante atingindo a altura da
garganta. Definitivamente, seu Duda exercia sobre mim uma força descomunal.
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