Revista LiteraLivre 17ª edição | Page 42

LiteraLivre Vl. 3 - nº 17 – Set./Out. de 2019 O arranhar dos pneus no chão de paralelepípedos seguido da voz do motorista alertando que faríamos uma parada fez com que um braço de minha consciência emergisse até a luz; era como se um cabo içasse meu corpo à tona. A escuridão da noite já tomava conta do mundo. Olhei pela janela e vi os ônibus estacionados lado a lado. Algo, lá no fundo, reluzia o brilho das luminárias fincadas no gramado. Logo deduzi que era um lago. O ônibus parou, o motorista abriu a porta da cabine e disse que iriamos fazer uma parada de quinze minutos, apenas. Uma fileira de gente já se formava no corredor quando ele pedia para que guardassem o número do carro, pois haviam muitos ônibus dessa companhia e alguém poderia subir no errado por engano. Não levantei. Abri a mochila e tirei meu xale, pois o ar condicionado tornava o microcosmos do meio de transporte um ambiente glacial. Em pouco tempo o ônibus foi evacuado. Achei melhor acompanhar os demais. Fotografei a frente do ônibus para não esquecer; depois lembrei que não havia pego a carteira e tive que voltar – bem na hora que estava na fila do caixa com uma coxinha e uma latinha de Coca-Cola. O posto de parada ficava no meio do nada, o barulho da água corrente me atraiu, perto do gramado um grupo de quatro jovens fumava maconha. Fiquei observando como a correnteza era rápida, seria uma formação natural ou uma represa construída pela ação do homem. Logo a fumaça do quarteto me atingiu, abanei discretamente a mão na frente do rosto. O cheiro característico da erva vinha misturado com uma essência que me lembrava o desinfetante do banheiro da faculdade. Enquanto um deles bolava o outro dizia que era só colocar um pouquinho “disso aqui”. Já tinha ouvido relatos de pessoas que misturavam maconha com outras coisas tipo haxixe, fumo e até salvia divinorum. A primeira vez que usei maconha lembro de ter rido feito uma hiena e no outro dia acho que bati uns dois ou três pratos de comida. Mas aquele cheiro diferenciado não lembrava em nada o cânhamo. Voltei para ônibus quando percebi que já estava em cima da hora, pedi desculpas ao motorista que me encarou com olhar de reprovação. Para minha surpresa, os quatro garotos vinham logo atrás. Um deles piscou quando passou [39]