LiteraLivre Vl. 3 - nº 17 – Set./Out. de 2019
Anderson Falcão
São Paulo/SP
Lavanda
Não posso ir visitar os campos arroxeados do sul da França, o cheiro de
lavanda está em tudo. Cheiro de flores, de natureza, alguém me diz, mas para
mim é um cheiro desagradável de limpeza; que não traz boas lembranças. Então
sinto que meu coração vai saltar pela garganta e me desespero. Não compro
nada que vem escrito aroma de lavanda; nem de alfazema pois são plantas que
pertencem ao mesmo gênero: Lavandula sp.
Estava indo para o Rio de Janeiro. Nunca tinha saído de minha bolha em São
Paulo e essa era minha primeira viagem para fora do estado, fazia meses que
guardava dinheiro para isso; que mais pareciam anos. Eu recebia uma bolsa
auxílio, não muito generosa, por meio período no laboratório de botânica da
faculdade. Todas as férias eram as mesmas coisas, uns iriam para Disney, outros
para o Caribe, alguns para Foz do Iguaçu, onde poderiam cruzar a fronteira e
comprar souvenirs mais baratos no Paraguai; e eu sempre ficava mofando na
república e mal conseguia ir domingo na Avenida Paulista chupar um sorvete.
Eram seis horas de viagem, as passagens no período diurno eram mais
baratas. Além disso, eu poderia ir olhando a paisagem, pois, escolhi um assento
na janela. O ônibus não estava tão cheio, a maioria eram jovens viajando
sozinhos ou em pequenos grupos. Coloquei a mochila no espaço vazio ao meu
lado. O motorista disse que faríamos uma parada em Queluz. Senti alegria
quando o ônibus ganhou a pista, pois lembrava os passeios de escola; que me
divertiam muito.
O balanço do ônibus fez com que eu adormecesse. Zélia Duncan cantava
Catedral em meus ouvidos; eu a escutava cada vez mais distante até mergulhar
nas águas de meu inconsciente, no mundo desconhecido dos sonhos; como Alice
despencando dentro da úmida e convidativa toca do Coelho.
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