Revista LiteraLivre 17ª edição | Page 24

LiteraLivre Vl. 3 - nº 17 – Set./Out. de 2019 por piedade, retire a lâmina do chão, não vês que assim me faz sofrer? Vem abraçar-me, posso dar-lhe o poder, a eterna juventude, baús de ouro e prata... – Nada porém me interessava, no entanto, a não ser salvar a minha vida e libertar-me daquele pesadelo. Nem o poder nem a riqueza podiam seduzir-me. Eu não queria negociar com a bruxa má, estando com medo de perder a alma e a razão”. José ficava desesperadamente agarrado à faca, ainda, agachado, aterrorizado, os olhos fechados, para não ver a criatura vil que se contorcia em torno dele, gritando com fúria, com gritos horríveis, como assobios de víboras. Rogando-lhe para retirar a lâmina do chão, porque a fazia sofrer. O menino encontrou a força para resistir. A luta foi longa, mas, após o que pareceu um prazo de tempo eterno, já não sentia sua respiração no meu pescoço, nem os seus gritos de raiva. Tremendo de medo, abri os olhos e olhei em volta. Eu vi em direção ao rio a silhueta da bruxa na corrida, como uma nuvem fantasmagórica, até ela desaparecer entre as árvores. Fiquei ajoelhado, com as mãos agarrando a minha adaga. Quando encontrei a coragem de levantar-me, as árvores estavam imóveis e em silêncio, a lua e as estrelas brilhavam, como se nada tivesse acontecido. Apressei-me a deixar o lugar amaldiçoado, que ainda parecia impregnado com a presença do diabo. [21] Eu queria ver outros homens, a luz, a vida...” Naquela noite, o jovem José conseguiu escapar da Dona das águas e voltou para casa, mas ele nunca mais foi o mesmo. Ele já não sabia como separar seus pensamentos da bela mulher, a quem havia recusado seu favor. Além disso, aquela pessoa lembrava-lhe a amiga desaparecida. Tornou-se apático e desatento. Triste, silencioso, evitava os amigos, conduzia as próprias empresas longe da família. Logo depois, a região foi atingida por uma seca prolongada. A chuva caía cada vez mais rara e escassa. As águas do rio corriam mais lentas e o nível delas caíra mais baixo. Emergiam ilhas de areia de grandes dimensões. A vegetação estava perecendo. Os animais que se aproximavam aos bancos para beber faziam com seus cascos uma pasta lamacenta que se solidificava depois, criando mil crateras. O dia veio em que o rio parou. Pela primeira vez na memória dos homens daquele país, a seca e a evaporação haviam derrotado as forças da vida. A aldeia inteira murmurou atrás de José, que se atrevera a rejeitar a Senhora das águas. A agonia do rio parecia ser uma maldição, conseqüência da recusa dele, que tinha roubado as energias vitais ao gênio da corrente. As repercussões podiam cair sobre toda a comunidade. Os anciãos da