Revista LiteraLivre 17ª edição | Page 25

LiteraLivre Vl. 3 - nº 17 – Set./Out. de 2019 aldeia se reuniram para discutir a questão. Foi uma espécie de processo. O jovem foi expulso, condenado a vaguear sozinho pelo mato, longe da aldeia, dos campos cultivados e dos rebanhos. José sabia como se defender, não temia nem lobos nem ursos. Ele pegava as bagas e frutos das árvores do mato, comendo larvas e insetos. Com sua faca fiel, ele construiu um arco, boa ferramenta para a caça. Todos os dias tomava com armadilhas pelo menos um rato ou um coelho. No entanto, ele mesmo acreditava certa a sentença que havia-lhe sido imposta, porque ele se sentia profundamente culpado. Culpado pela morte de Helena, culpado por não se curvar às aberturas da bruxa: – ... E se fosse realmente ela mesma, meu amor? – Culpado pela seca da sua terra. Um dia, decidiu viajar, para descobrir o ponto onde o rio tinha parado. Caminhou por muitas luas, por países desconhecidos. Se encontrava alguém, sempre sentia-se apontado como aquele que recusara os favores da Senhora das águas, a razão da seca, como a causa de todo mal do mundo. Ele seguiu a linha do rio, cada vez mais fraco, até que viu a água escura estagnando em uma piscina, a partir da qual subiam bolhas de gás. Camarão, girinos, hidrofílicas, peixinhos... A vida não morrera naquela poça de lama, mas as suas energias foram definhando. O jovem caçador ficou na beira da água, sentou-se debaixo de uma moita de mato, e foi quando ele a viu. Pálida, [22] magra, como após uma longa doença, a Senhora das águas apareceu-lhe, contra a luz, na superfície da água estagnada, à luz da lua cheia. Fracamente, a figura com os cabelos cor do fogo levantou a mão e mandou-lhe um convite, um último convite, para se juntar com ela. Ela tinha perdoado a sua negação. O canto dos grilos e dos sapos subiu aos céus como um ritmo de tambores, num crescendo ensurdecedor. O jovem sacou a faca de caça de seu cinto e jogou fora, lentamente desceu para as margens da lagoa e entrou na água sem nenhuma hesitação. A bruxa o chamava a si, com movimentos ágeis. As pernas de José reuniram-se com os rabos da sereia, o cabelo dela o envolveu e os dois se envencilharam como cobras. Devagar, as águas da lagoa começaram a gorgolejar, como se uma vida nova retomara. O nível subiu e começou a transbordar. O rio começou a fluir de novo, lentamente no início, depois com uma corrente mais e mais impetuosa. Finalmente, a corrente arrastou o corpo do jovem, enlaçado com a Senhora das águas em um abraço indissolúvel. Rodavam juntos em mil redemoinhos, indo para a casa dela, nas cavernas profundas do esquecimento eterno. O cão de José ficou a noite inteira a beira do rio, uivando para a lua, enquanto as águas do rio subiam. Então,