Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 88

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 O homem foi lá dentro e, antes que voltasse com minha colheita, agradeci ao imperador o que fizera. O coletor de impostos devolveu-me meus quatro sacos de estopa, aparentemente vazios. Olhei dentro e não vi mais que dois ou três frutos em cada um deles. Desconcertado, sorri um sorriso amarelo e pensei: “Se fossem outros tempos, nem isso eu teria.” Voltei para casa, com os sacos de estopa quase vazios sobre os ombros. — Para começar, está bom. Vai melhorar — disse eu a mim mesmo, resignado. Não tardou muito e aquele triste episódio me voltou a acontecer: o coletor de impostos levara-me novamente mais do que devia. Aliás, dos cinco sacos de estopa com frutos, agora ele me deixara a mísera metade de um dos sacos, e não um saco repleto de frutos, como outrora. Tomado pela ira, repeti o ritual. Fui ao Palácio. Após enfrentar a interminável fila, relatei o ocorrido ao imperador, que esbravejou indignado contra o coletor de impostos, que, por sua vez, sem levantar a vista, me trouxe meus sacos de estopa vazios, ou quase. Enquanto o homem fora pegar o imposto a mais que de mim coletara, pude ver, pela porta entreaberta, a sala de jantar do Palácio. A mesa estava posta. Deduzi que a ceia já esperava o imperador. Olhei com mais atenção e meus olhos encontraram, entre as iguarias à mesa, grande porção dos frutos que eu mesmo colhera e que me foram tomados indevidamente. Compreendi que o imperador não só sabia dos atos reprováveis do coletor de impostos, como era o principal beneficiário deles. Foi aí que não consegui mais conter minha ira. — Majestade... — da minha boca escapulia o vocativo real. — Pois não, súdito meu. — Perdão, Senhor, mas preciso lhe dizer algo que me incomoda e o atinge diretamente. — Sou todo ouvidos e assim será. Fale. Como me fora concedido o direito à palavra, externei o que notara e as impressões acerca das injustiças que me eram infligidas, sob as barbas do imperador. 85