LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Era Todo Ouvidos (ou O Ouvidor Real)
Aldenor Pimentel
Boa Vista/RR
Depois de décadas de tirania, o imperador e rei estava finalmente morto. O
anúncio, feito pelo porta-voz da Coroa, do púlpito do Palácio, foi recebido pela
multidão com silenciosos vivas. Era o fim de uma era.
O imperador não deixara filhos. O trono estava vazio. Com apreensão,
aguardava-se o nome do sucessor. Pelos corredores do Palácio, especulava-se,
aos cochichos, quem seria o dito-cujo. Em seu testamento, Sua Majestade, sem
explicitar os motivos, deixara o trono ao menos cotado da Corte: o ouvidor.
O novo imperador, ao falar, pela primeira vez, à multidão, prometeu novos
tempos. O discurso foi ouvido com intensos aplausos e sonoros vivas. E como
não ver o amanhecer com sorriso nos olhos, quando nosso futuro está nas mãos
daquele que sempre nos ouviu, mesmo quando a ordem era endurecer?
Como ouvidor, do nascer ao pôr-do-sol, do primeiro ao último das filas que
se formavam em volta do Palácio, por todos aqueles anos, ele recebia, um a um,
em sua sala, e ouvia com atenção, as mais distintas queixas e lamúrias.
Um dia, um triste acontecido fez-me ir até o mais novo imperador. Como
sempre, do fim da fila, não se viam as portas do Palácio. Terminada a longa
espera, contei a Sua Majestade que um dos seus homens, ao coletar impostos,
me levou além do devido. Dos cinco sacos de estopa cheios de frutos que eu
colhera por aqueles tempos, deixou-me, não os quatro, como de costume, mas
tão só um.
Como eu esperava, o imperador, demonstrando insatisfação com o que
ouvira, mandou chamar o tal homem. Cobrou-lhe explicações e o repreendeu na
minha presença. Por fim, ordenou-lhe que me devolvesse o que era meu por
direito.
— Sim, Majestade — acatou o súdito, sem levantar a vista.
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