LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
— Desde já, entristece-me, Majestade, pensar na possibilidade de que,
aquele em quem depositamos nossas esperanças, tornou-se nosso algoz. Dói-me
menos a barriga vazia que tomar ciência de que vossos banquetes sejam regados
pela nossa fome; que vossa gula se alimente da nossa carência; que o que sobre
em vossa mesa, nos falte; que, daquilo que Vossa Majestade esbanje, nos restem
não mais que migalhas; que vosso deleite seja nossa dor.
Acreditava eu que, sendo o imperador homem tão justo, reconheceria as
próprias falhas e repararia os malfeitos. De seu lado, Sua Majestade não desviou
o olhar, tampouco me interrompeu uma única vez. Seu semblante conservava-se
sereno o tempo todo. Após ouvir meu desabafo, chamou a guarda e voltou a me
escutar: aos berros, eu clamava que cessassem em mim aquela horrenda
tortura, em vão. Implorei que, ao menos, meus carrascos abreviassem minha dor
e me matassem sem demora, mas eles não me deram ouvidos.
Não bastassem os socos e pontapés por todo o corpo, por fim, cortaram-
me a língua. Minha boca já não articulava palavra alguma: agora, eu era, tão só,
medo, sangue e dor. Como bom ouvinte que sempre fora, o imperador ouvia tudo
de perto. Ouviu-me até o fim. Até meu fim, foi todo ouvidos.
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