Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 20

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 A mulher no ônibus Davi da Motta Niterói/RJ Estava no ônibus, sentado no banco pouco atrás das rodas traseiras, uma cadeira antes do fim, ao lado direito do ônibus. Não sei porque, mas sempre me sento no mesmo lugar, gostaria de dizer que sou apenas metódico, que tenho manias, mas não protestaria se me chamassem de doido. Sentado no meu canto, já com meus fones de ouvidos apostos, tentava decidir o que fazer. Ouvir mais um capítulo de algum áudio livro – com consigo ler em veículos em movimentos, fico enjoado –; ou talvez ouvir algum podcast, não tinha terminado de ouvir o Xadrez Verbal da semana anterior; quem sabe até fazer o impensável e usar o tempo de viagem no ônibus para ouvir música e relaxar? Ainda estava decidindo quando o ônibus começou a sair, o que me forçou a escolher. Se ficasse muito tempo olhando para baixo ficaria enjoado. Por fim, encontrei o capítulo de Cemitério Maldito que ainda estava ouvindo. E assim a viagem se seguiu por alguns quilômetros até que uma mulher subiu. Ela se sentou pouco mais de alguns bancos a minha frente, na janela da fileira oposta a minha. Não prestei muita atenção nela, não mais que prestara aos outros passageiros que subiam na condução. Mas, foi só adiante que um senhor – entre seus sessenta e setenta, eu acho – se aproximou dela e se sentou. Ele já estava no ônibus quando eu entrei, e, consequentemente, já estava lá quando a mulher entrou. Vendo a situação eu fiquei observando o que aconteceria, dei pause na história de Louis Creed e Jud Crandall para prestar atenção no que estava acontecendo. O senhor falava com a mulher, mas eu não conseguia entender o que ele dizia. Ele gesticulava, mas não se aproximava muito ou tocava na mulher. Ela, por outro lado, estava encolhida em seu banco e olhava para o homem de rabo de olho, dirigindo a ele algumas palavras. Nesse momento uma voz na minha cabeça disse. “Vai, faz alguma coisa, tá na cara que o velho tá importunando a mulher” “Fazer o que?”, eu perguntei para mim mesmo. “Sei lá, levanta, pede pro velho sair. Só faz alguma coisa” Foi quando outra voz começou a falar também. “Isso não é problema seu, fica na sua” “Como assim não é problema dele?” disse a primeira voz. “Oras, ela que dê uma porrada no velho.” “Que isso? E se ela estiver com medo?” “Medo? É só um velho. Até esse magrelo aqui dava um fim nele” 17