LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
“Ainda assim, ele deveria fazer alguma coisa. Imagina se fosse a irmã dele,
a namorada ou alguma amiga sendo importunada por um velho tarado?”
“Você não sabe se ele é ou não um velho tarado, ele pode estar só
tentando elogiar a mulher oras. A menos que ele se sente e ponha a piroca pra
fora não é assédio”
“Isso é um absurdo. Você vai esperar chegar nesse nível pra fazer alguma
coisa?”
Mas, antes que as vozes da minha cabeça chegassem numa conclusão. O
velho saiu e sentou-se em outro lado, deixando a mulher em paz. Eu suspirei
aliviado. Gostaria de dizer que foi porque nada aconteceu e a mulher estava em
paz, mas provavelmente meu alívio se deu pelo fato da situação ter acabado de
forma pacífica e espontânea sem precisar de interferência, principalmente minha.
Como se um peso, uma responsabilidade que eu teria que cumprir e não sabia se
conseguiria, de repente, não existisse mais.
Horas depois me peguei pensando nesse pequeno diálogo na minha cabeça
e só me dei conta de como o meu subconsciente é machista, mesmo quando
tenta fazer o certo. Uma das vozes solenemente ignorava a ideia de assédio
moral. Eu – e consequentemente as vozes – não conseguia ouvir o que o velho
estava falando para a mulher. Imagina as atrocidades que ele pode ter dito, as
propostas indecorosas e indecentes? Meu Deus, o homem pode ter até ameaçado
a mulher, como poderia saber?
Por outro lado, a voz que tentava me convencer a me levantar e agir tentou
me convencer apelando para a empatia, mas não tentou me colocar no lugar da
mulher, mas dos familiares dela. Oras, para reconhecer a aberração que é um
assédio moral ou físico eu tenho que me colocar no lugar do irmão da vítima, não
no lugar da vítima? “Imagine como o irmão dela vai se sentir” é assim que a
minha mente tentou me convencer? A minha mente é impossibilitada de se
colocar no lugar de uma mulher ou ela acha que não precisa, que a experiência
da mulher não importa?
Credo!
Por um lado minha cabeça queria me convencer de que eu não devia nada
a ninguém, que aquilo não era meu problema. Por outro queria me convencer
que era quase um dever meu “como homem” fazer alguma coisa. Como homem
ou como cidadão?
Estou perdido. Espero que a mulher esteja bem, que tudo que ela se
lembre do dia seja de ter sido abordada por um velho chato que logo foi embora.
É muito fácil não fazer nada. Fico me perguntando quantas pessoas no ônibus
tiveram diálogos similares nas suas cabeças. Qual voz será que venceu na cabeça
deles?
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