LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
A escolha do nome
Jordão Pablo de Pão
Niterói-RJ
Sou ótimo em dar títulos. Sempre fui ótimo em dar títulos. Parece-me que o
barroquismo das linhas dá força à síntese do nome. Até porque nome é um
negócio bem complicado: colocar no mínimo de palavras o ponto de rotação do
tema sem entregar o seu mote. É como ser pai. Passando pelo caminho, ele sabe
que há dores a serem sentidas e paradas a serem feitas. Ah… e arrependimentos
que tem de ser vividos. Na realidade, existir é passar por estrada outra com uma
linha de situações muito parecidas. A forma como reagimos tem a ver com o que
trazemos de experiência. Por isso nos tornamos de verdade mais resistentes à
dor, mais entendedores de nossos processos. Assim também é criar um título.
Não se trata de oferecer tudo em bandeja, mas de cunhar junto, de fazer
companhia sem entregar o nó central. Na medida em que escrevemos, passamos
a perceber possibilidades em títulos. Muito mais do que um autor, amo o texto
que se permite caleidoscópio por nome-luz. Chego sem medo, crio questões,
investigo possibilidades. Sou pena com tinta e coração tremendo no registro.
Escrevi sem parar, mas paro quando tenho de nomear. Neste momento, sou um
pouco deus, um pouco escritor a Bíblia. Coloco em palavras o que não pode ter
nomeação exata, registro em grafite-celulose o ponto de partida, crio asas. Sou
um tanto Ícaro no sonho de subir, sou um tanto Ismália na busca de outra Lua.
Afogo-me orgulhosamente como quem apenas quer viver. E eu só quero viver.
Quero, no tempo em que me foi concedido, honrar o nome do meu pai, que
carrego orgulhosamente. Quero, no conhecer dos mares, pescador de gente e
amigo das letras, colocar tinta sobre tela, página branca a despertar ansiedade e
desejo de preenchimento. Sou, de certa forma, a cor do quadro, a pulsação do
exame de ultrassonografia prenhe, a mulher do último dia a dar à luz filhos sem
dragões. Sou o Apocalipse. Sou o evangelho de um Cristo que nunca existiu. Sou
o nome de uma música boa, a ser dançada juntinho em uma laje de noite
estrelada. Sou um livro sempre a ser lido, porque sempre novo, organicamente
novo. Quando coloco o título sobre o texto finalizado, não penso no que não pode
ser, penso no que deve existir. Esse, sob seus olhos, chama “A escolha do nome".
paopoesiaecafe.wordpress.com
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