LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Devaneios
Elaine Mattos
Rio de Janeiro/RJ
Horas e horas olhando pela janela. Lá fora apenas uma árvore. Uma aroeira, com
cachinhos de pimenta rosa, mas vermelhas.
Queria estar engarrafada em uma ponte qualquer. Podia ser a ponte da Baía de
Sydney, por que não? O pensamento me leva para qualquer lugar longe daqui.
Nunca estive na Austrália, parece que nunca saí desse quarto. Mas eu não estive
aqui a minha vida toda, sei que não.
Nunca fiz planos para o futuro e agora percebo que não tenho mais tempo para
planejar nada. Tudo passou muito rápido e o único plano agora é sentar diante da
janela e pensar em pontes, parques e lojas.
Sempre adorei lojas. Quanto mais cheias e insuportavelmente barulhentas,
melhor. Olhar as vitrines, admirar sapatos e roupas; era capaz de passar uma
tarde inteira experimentando vestidos para bailes que jamais iria e rir baixinho,
na cabine, com os modelos extravagantes que nunca combinavam com os
sapatos nos meus pés.
Gostava de andar sozinha pela rua e dirigir pela cidade. Nunca gostei de
estradas. Nada que levasse muito tempo para chegar a algum lugar – não
importava qual, que não demorasse! Longas estradas remetem a longas viagens
e longas viagens precisam de planos e eu nunca fiz plano algum. Sempre que
passava diante de algum acidente na rua, e via um motociclista caído no chão, eu
tinha o mesmo pensamento: no quarteirão anterior esse motociclista tinha planos
para hoje, amanhã ou para o ano que vem. Planos não combinam com a vida. Ela
muda rápido e nunca levam em consideração o que você planejou.
A árvore está balançando mais forte esta tarde. O tempo vai virar, certamente.
Gosto de olhar pela janela e ver a chuva caindo e lavando as folhas. Elas ficam
verdinhas e parecem sorrir. Faz tempo que não vejo sorrisos, risos, rostos,
gargalhadas.
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