LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Poderia estar em um parque em Orlando. Nunca estive em Orlando, mas sei que
tem brinquedos incríveis e muita gente se divertindo. Fecho os olhos e consigo
escutar a gritaria da montanha russa. Me deixo levar e entro no parque do Harry
Potter, nunca estive no parque do Harry Potter, mas li todos os livros e vi todos
os filmes e sei como é a loja de varinhas e o Beco Diagonal. Queria beber uma
cerveja amanteigada e comer feijão de pum. Minha dieta não permitiria que eu
comesse nada disso, eu sei, porém não estou aqui, estou em Orlando. Logo me
perco e vou tomar um café em Paris. Nunca estive em Paris, mas quando era
criança assistia a todos os filmes ambientados na “cidade luz”. Tinham musicais
belíssimos, cantos e sapateados, com a atriz Audrey Hepburn sempre linda,
fazendo o papel da mocinha que se casa ao final.
Caem as primeiras gotas e a janela fica toda salpicada de água. A árvore fica
embaçada, mas ainda é dia e eu ainda estou aqui, olhando pela janela.
Estou cansada. Muitos pensamentos cansam; os diversos idiomas se confundem
aos barulhos dos lugares que visito e me deixam um pouco confusa. Acabou por
hoje. Não vou mais a lugar nenhum. Está na hora dos remédios. Sei por que a
enfermeira acaba de entrar no quarto e vai empurrar a minha cadeira para longe
da janela. Ainda tinha um restinho de luz, mas sou colocada na cama. O remédio
vai fazer efeito e vou adormecer muito rápido. Ele entra por uma agulha no meio
das borrachinhas do soro que fica ligado a mim, noite e dia.
Não me alimento mais como antigamente. Penso que poderia ir até a Itália comer
uma pizza antes de dormir. Nunca estive na Itália.
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