LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
Era primeiro de janeiro e tanto o mar quanto as pessoas achavam-se de ressaca
naquela manhã. Não havia babás com suas crianças, nem surfistas, banhistas ou
caminhantes, apenas uma senhora que levara sua Lulu da Pomerânia para
passear, mas já arrependida pelo mau tempo.
Lisa cumprimentou-o, quase formalmente, e lhe sobreveio um encadeamento
de angústias pela união que cumpria seu ciclo e atingia o declínio. Não se
protegera do frio, que a fazia tremer-se toda. Mário ofereceu o suéter que
combinava com as íris de Lisa; após uma conversa tensa, pediu-lhe um abraço e
fez-lhe tardias juras de amor. Ele acendeu um cigarro ‒ sempre recorria a um em
situações delicadas. Fumava desde os treze, mesmo tempo em que começou a
beber.
Ela temia pelas consequências do fim do casamento, essa instituição tão
hermética, cuja ruptura causa tantos danos emocionais e deixa sempre uma
dúvida, em algum recipiente da mente. Afinal como viveria sem o homem com
quem partilhou mais de vinte anos da sua vida? Fora educada para pensar dessa
maneira e receava pela ausência da figura masculina... De jovem passou a
senhora sem se dar conta da travessia do tempo e das transformações que
sofrera, ao longo da vida.
Mário se aproveitava da insegurança de Lisa para tentar reverter sua decisão,
uma espécie de chantagem que ela refutava, sustentada nos ressentimentos que
acumulava há anos. Na verdade, Lisa precisava renascer a partir de um
determinado ponto e aquele era o momento adequado.
Era como uma queda de braços e ele, julgando-se o mais forte, não aceitava
a decisão da mulher, tida como frágil durante toda a vida conjugal a que se
submetera a um papel secundário. Ele queria dar a palavra final como uma
afirmação de sua masculinidade e tentou, sob todos os argumentos, demovê-la
da audácia quanto ao divórcio. Implorou, abraçou-a — ela se esquivou. Diante da
inutilidade da súplica, Mário deu-se por rogado e disse: Tudo bem, meu amor, é
isso mesmo que você quer? — insinuava-se uma ameaça em sua voz, que de tão
familiar, Lisa nem estranhou.
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