LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
A primeira rajada de vento levantou turbilhões. A coisa mais leve do mundo,
na época, era um grãozinho de areia, porque ainda não havia folhas ou penas.
Esta é a história de um grãozinho que foi levantado, nos desertos da Ásia
Oriental, e começou a rodopiar com os redemoinhos de areia. Conheceu muitos
outros grãozinhos como ele, arranjou um monte de amigos e descobriu o mundo
com gosto. Tanto gosto que, a partir daquele momento, nunca mais voltou para o
chão. Ele percorreu um caminho igual a mil vezes em torno da Terra, mas -
mesmo assim - não foi capaz de ver tudo. Nosso grãozinho ficou por muito
tempo confuso em uma nuvem vermelha, que girava acima dos desertos da
Mongólia. Não poderíamos dar-lhe um nome mais familiar? O chamaremos
Paulinho, permitindo-nos um pouco de familiaridade, apesar de sua idade. Então,
o grãozinho Paulinho se embarcou para uma longa viagem, velejando com alguns
amigos para a costa do Oceano, e então viu pela primeira vez, abaixo dele, o
verde das árvores.
Paulinho sentiu o fardo da umidade, quando o vento forte do deserto se mudou
com a brisa do mar. A viagem tinha-lhe - por assim dizer - entrado para a
corrente sanguínea, e não queria parar. Sob ele estava voando uma criatura
estranha, nunca antes vista, com duas grandes asas abertas, deslizando
suavemente, e conseguindo assim pegar cada mínimo sopro de ar, de maneira
que nunca descia da altitude. Com uma manobra inteligente, Paulinho entrou em
uma pena da asa desse grande pássaro. Agora, ele poderia aproveitar a viagem
sem se preocupar com a umidade ou com o calmo de vento. Ele tinha certeza de
que seu carreiro iria levá-lo para qualquer lugar do mundo, sem sequer fazer-lhe
pagar o bilhete. Veio porém um dia em que o grãozinho percebeu que seu
transportador não estava mais em movimento. Paulinho já não sentia a sensação
do ar e percebeu que seu hospedeiro não podia mais se mexer. Uma comoção,
muito barulho ao redor. Bicos enormes batendo de todos os lados, para comer a
carne da ave que o tinha guiado pelos céus do mundo. De repente, tudo em volta
dele ficou escuro e Paulinho encontrou-se em um mundo de enzimas quentes e
úmidos, ricos em ácidos e outras substâncias estranhas que ele não conhecia. Foi
uma sorte que a sua compleição forte, de quartzo e sílica, lhe permitiria evitar
ser digerido, e nem sequer ser atacado por todos aqueles sucos. Ele ainda podia
sentir o movimento da viagem, mas por um tempo não sentiu mais o ar por cima
de si.
Finalmente, a libertação. Paulinho viu novamente a luz e logo se encontrou
rodando em um céu flamejante, feito de fogo ardente. Não era um pôr do sol
tropical, mas a erupção de um vulcão enorme. Paulinho de areia se viu apanhado
no vórtice de uma enorme nuvem de cinzas, que pairava sobre o planeta. De lá,
via os continentes, mares e rios. Uma paisagem verdadeiramente estupenda.
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