LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
no entrevando. Curvavam-no. Já não podia dar aqueles saltos. Mesmo assim
marcava como podia. Subia na mesa e rondava as paredes a deixar sinais de sua
vida. Um dia, não sabe quando, mas foi um marco em sua trajetória, um grande
acontecimento: quase tocou o teto, de cima da mesa, erguido sobre a ponta dos
pés. Foi uma espécie de terra à vista dos antigos conquistadores. A sorte estava
lançada, como disse César. Não havia mais como escapar. Mas nunca houve tal
possibilidade. Deixou de fazer marcas quando compreendeu a total inutilidade
dessa sua iniciativa, tomada em um passado no qual ainda nutria alguma
esperança. Coincidiu que por essa época não mais lhe colocavam lenha.
Passaram a deixar em uma vasilha a comida para dois dias, três... Ele já não
tinha o trabalho de fazer a comida. Também já não estava com forças para mais
nada nos últimos tempos. Não raramente, nem tocava na vasilha. Às vezes,
deixavam-na e a levavam sem que ele soubesse o que continha dentro. Não ficou
nem um pouco surpreso quando um dia, após grande esforço, subiu à mesa e
tocou o teto com a cabeça. Esse grande feito poderia ser comemorado em grande
estilo. Conseguira algo por que se empenhara durante toda a vida. Desceu e
deitou-se. Na cama ficou por muito tempo. Não tinha como precisar se três,
quatro, cinco... ou quantos dias. As suas marcas de carvão somente lhe davam
indicação de um extenso período de tempo: anos, décadas. Nem elas mais havia.
O quarto foi ficando escuro à medida que o teto descia, porquanto era da parte
de cima que brotavam raios luminosos, através de alguns orifícios nas paredes. A
única luminosidade que sobrara vinha por onde introduziam a comida.
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