LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
A trajetória do fm
Vinícius Bandera
São Paulo/SP
O teto vinha baixando. Durante muito tempo não percebera. Depois, começou a
sentir que tinha menos espaço acima de sua cabeça. Pulou, pulou, pulou... Deu
vários saltos, o mais alto que podia. Não conseguia alcançar o teto com as mãos.
Ainda havia muita distância, mas ele tinha uma intuição de que algum espaço se
encolhera. Cinco anos depois, ao dar os seus saltos de sempre, verificou que
indubitavelmente o espaço entre ele e o teto vinha sendo comprimido. Malgrado
tal convicção, não se deixou desesperar, considerando que ainda tinha muito ar
para cima. Um dia, olhando o firmamento de seu cubículo, pois era o que lhe
restava fazer na ausência de janelas, teve uma ideia que passaria a controlar sua
existência. Acabara de cozinhar no fogão de lenha. As brasas ainda estavam
acesas, à mercê da morte inexorável. Pegou uma que se transformara em
carvão. Era o momento de dar os saltos cotidianos. O carvão na mão direita, a
cada pulo uma marca aonde mais longe pudesse riscar. O teto ainda era uma
meta inalcançável. Mas as marcas ficaram nas quatro paredes. Então conseguira
imprimir um referencial matemático ao qual não poderia haver contestação. As
marcas equivaliam à descoberta da luneta por Galileu. Se elas fossem
ultrapassadas, seria uma indicação matemática – e parece não haver nada mais
exato na natureza do que este saber – do quanto o teto vinha baixando. Não
saberia dizer quanto tempo se passou, mas um dia percebeu que algumas
marcas, as mais altas, não mais estavam onde as colocara. Um novo
rebaixamento as cobrira. Ainda podia pular sem tocar o teto. Com o carvão, cujo
estoque de lenha estava acabando, fez novos riscos. Encontrara, com esse
método, o relógio que lhe faltava. Estava, assim, marcando a sua existência. Na
ausência de espelhos, ou algo em que se pudesse refletir, não podia verificar o
tempo em seu rosto. No entanto, no corpo e na alma começaram a aparecer
marcas, que, ao contrário das de carvão, não saíam. Mais e mais ficavam. Iam-
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