LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019
O Fenômeno Trans
Massilon Silva
Aracaju/SE
A tarde era de um calor próximo dos 35°C na rua, mas naquela sala
relativamente aconchegante não devia passar dos 20°C, tal a velocidade com que
se movimentavam as palhetas do barulhento aparelho de ar condicionado bem à
vista dos presentes. Cerca de dez pessoas, distribuídas em poltronas, cadeiras
mais e menos confortáveis, bancos de cimento forrados com almofadas e outras
simplesmente de pé, enchiam o local, um ambiente sóbrio de aproximados
quinze metros quadrados, com bebedouro em um dos cantos, indicando que ali
se podia dispor de água à vontade, gelada ou não; uma pequena mesa com duas
garrafas de café informando ser uma com e a outra sem açúcar, xícaras de vidro
e copos descartáveis, açúcar e adoçante. Logo na entrada um balcão, onde uma
solicita atendente fazia anotações sobre a vida de cada um ao tempo em que
prestava importantes e decisivas informações, entregava envelopes e anotava
datas. Havia ainda uma mesa de centro com jornais e revistas,
estas
especializadas principalmente em moda e fofocas sobre a vida de personagens da
tv. As paredes de cor cinza com variações entre o azul e o branco, exibiam
quadros de pintores anônimos, imitações baratas de Picasso, Degas, Monet e
outros, predominando figuras de famílias felizes e bem nutridas. Um quadro,
porém, merecia destaque especial: a aplaudida foto de Leila Diniz produzida
especialmente para a inesquecível entrevista d'O Pasquim, em que a badalada
atriz brasileira desfila pela praia de Ipanema exibindo uma ridícula barriga,
metida em um não menos ridículo biquíni, em tosca representação do final dos
anos 60. O destaque, como não poderia deixar de ser,a barriga, transportava-se
como se por milagre para cada uma das presentes, emprestando-lhes uma falsa
beleza, orgulho das futuras mamães, que desconheciam a verdade sobre a foto -
propagar as ideias de liberação feminina, consideradas revolucionárias para a
época e das quais nossa Leila foi lídima representante. Conceitos que o trágico
acidente aéreo que a vitimou não conseguiu sepultar. Completando o quadro
geral, um aparelho de televisão exibindo programas de nenhuma importância e
traço em audiência, excetuados os de desenho animados, vistos por algumas
crianças que acompanhavam as respectivas mães, umas já veteranas outras
prestes a ingressar no mundo encantado da maternidade. Uma placa retangular
colada à porta da sala contígua exibia a palavra "médico".
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