Revista LiteraLivre 16ª edição | Page 156

LiteraLivre Vl. 3 - nº 16 – Jul./Ago. de 2019 O movimento era típico de um consultório ginecológico tradicional. Mulheres entravam e saíam ; acompanhadas ou não; por filhas, babás, mães, irmãs, colegas, bolsas Louis Vuitton , saias ou calças Yves Saint Laurent, blusas Dudalina, sapatos Prada, celulares de última geração e até maridos. Sentado a um canto da sala, nem alegre nem triste, um tanto ou quanto deslocado no ambiente estava estava Ruan. Ruana de nascimento, boa aparência, estatura meã, cabelos curtos, barba por fazer, costeletas alongadas, camisa de mangas curtas e botões da direita para a esquerda, calça jeans, idade entre dezoito e dezenove anos, barriga pouco à mostra, resultado de uma gravidez de aparência incipiente e até certo ponto indesejada. Não conduzia bolsa de grife, babá e nem marido. Pouco ou nada falava sobre assuntos femininos; mostrava-se entre nervoso e apreensivo quanto aos problemas ligados à gravidez e/ou parto masculino, coisa que lhe eram totalmente desconhecidas, bem assim o eram também às presentes, pretéritas e futuras mães que ali estavam e até mesmo de parcela considerável da comunidade médica até então. Estamos falando de dias idos do segundo decênio do século XXI. Deixemos o jovem Ruan às voltas com seu "estado interessante" e partamos a conhecer um pouco da história de sua vida. Nascido em lar cristão, família de classe média e não muito ligada a rígidos conceitos, mas seguidora dos costumes tradicionais, foi de imediato reconhecido como pertencendo ao sexo feminino, e como tal levado à pia batismal onde recebeu água benta e óleos santos, renunciou a Satanás e todas suas obras, entrando para o seleto grupo dos que têm assegurada a salvação eterna, desde que, no decorrer de sua existência secular não se afaste dos sublimes preceitos. Dias depois, no Cartório de Registro de Pessoas Naturais recebeu o nome civil - Ruan, só alterado anos depois por força de decisão própria e permissivo judicial. Inserida no mundo exterior, foi desde logo tratada com as peculiaridades e cuidados dispensados às crianças do sexo feminino. Deram-lhe um quarto todo pintado de rosa, espalhando-se pelas paredes desenhos que reproduziam as flores que ostentam o mesmo nome e delicadeza. Um berço de tonalidade idem, brinquedos leves e roupas apropriadas ao sexo. Ao atingir a idade escolar foi matriculada em escola particular, onde iniciou os primeiros contatos com os colegas de sua idade, começando ali a estabelecer em sua mente a diferença entre um e outro sexo e, de acordo com essas diferenças, as preferências de cada um. Foi a partir dos seis anos de idade que começou a sentir as primeiras transformações de ordem psicológica, tais como o desejo quase incontrolável de 153