LiteraLivre Vl. 3 - nº 14 – Mar./Abr. de 2019
Sentado, sozinho, num banco de um jardim de Lisboa, um jovem magro,
quase esquelético, rosto macilento e doentio, com a roupa em farrapos, diz para
consigo: “que fiz da minha vida? Eu tinha tudo e vivo nesta miséria, abandonado,
sujo, sem ninguém que enxugue as minhas lágrimas, receba a minha cabeça
cansada em seu ombro, ou cuide do meu corpo doente. Em minha casa havia
fartura, alegria e paz, e tudo abandonei. Tudo deixei para trás, arrastado por este
vício maldito que me consome. Destrói-me o corpo e rouba-me todo o ânimo
para reagir. E aqui estou, desesperado, sozinho, faminto e enregelado, nesta
noite de Natal.
Como deve estar bonita e acolhedora a minha casa!
Daqui a algumas horas todos estarão em volta da mesa recheada com os
deliciosos pratos tradicionais desta época, que a minha mãe sempre prepara com
tanto gosto e saber, enquanto na lareira o fogo crepita. E haverá alegria, muita
alegria em volta daquela mesa! Depois, à meia-noite, partirão para a Igreja para
assistirem à Missa do Galo. E eu… na solidão deste parque. Sem um agasalho.
Sem uma palavra amiga…
Como eu gostava do Natal! Como eu gostava do calor, do aconchego, da
alegria com que era vivido o Natal em minha casa!
Se eu tivesse forças para voltar!... Se eu tivesse coragem de voltar!...
Tenho de arranjar ânimo; tenho de arranjar coragem para fazer frente a este
vício maldito que tomou conta de mim e me domina. Domina o meu corpo e a
minha alma e destruiu a minha vida. “Sou novo! Sou forte! Vou vencer-te,
heroína maldita!” – Disse em voz sonora.
“Vou pedir ajuda. Vou regressar. Os meus pais ajudar-me-ão. Apesar do muito
que os fiz sofrer, ajudar-me-ão. Quero tratar-me. Quero ser um jovem como os
outros, enfrentar a vida, produzir. Eu vou conseguir. Eu vou conseguir!”
Este jovem é Carlos, o filho mais novo de Teresa. Tem apenas vinte e sete
anos. Era um bom rapaz. Fora bom estudante, bom filho, muito meigo e
afectuoso. Mas começou a deixar-se envolver por más companhias, a
experimentar coisas… e nem Teresa, nem o marido se aperceberam do que
estava a acontecer. Notaram o seu baixo rendimento escolar, mas atribuíram-no
a uma crise passageira, proveniente da idade.
Só muito mais tarde compreenderam o que estava a acontecer, e já era
demasiado tarde. Tudo fez para que fizesse um tratamento de recuperação:
pediram, ameaçaram, ordenaram que fosse internado para se tratar. Porém de
nada valeu. Não queria tratar-se. Houve uma grande discussão e saiu de casa.
Tinha então dezoito anos.
Desde essa altura que Teresa não sabe do filho e vive em constante
desassossego, em permanente ansiedade, desesperada, com o filho no coração e
na cabeça, atenta a todos os programas de televisão, a todas as noticias que
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