Revista LiteraLivre 14ª edição | Page 25

LiteraLivre Vl. 3 - nº 14 – Mar./Abr. de 2019 A mancha sombria Carlos Barth Macaé/RJ Levou mais de um mês para a mancha escura entre as pedras do calçamento sumir. Essa demora foi devida, em grande parte, ao clima seco do inverno fluminense no ano de 2018. Espreitei ansioso a previsão do tempo por aqueles dias na esperança de que os céus mandassem uma chuva que lavasse aquele borrão preto no chão – é estranho como o sangue fica enegrecido quando seco – e levasse consigo a imagem do rapaz coberto por uma lona. Foi num sábado de céu azul, quando voltava para casa, que deparei com o policial no meio da rua desviando o trânsito do corpo sem vida estirado próximo ao meio-fio. Mais ou menos do ponto onde suponho que era sua cabeça escorria um filete de sangue que descia ladeira abaixo ajudado pela força da gravidade, tingindo as pedras, britas e terra de vermelho escuro. De seu corpo coberto só era possível avistar os pés. Calçava sandálias e usava uma tornozeleira com as cores da Jamaica. Talvez em uma cidade grande como o Rio ou São Paulo um morto a mais ou a menos não seria nem notado, podendo mesmo passar despercebido. Mas aqui no interior, felizmente, isso ainda não virou rotina e as pessoas mantém um resquício de humanidade. Talvez por isso a notícia tenha corrido rápido e chamado a atenção da vizinhança. Curiosos, entre eles muitas crianças, vinham para ver o corpo. Fui para minha casa, que é próxima, sentindo um certo mal estar. Cerca de três horas haviam se passado e da janela de minha sala comecei a perceber urubus voando em círculos no céu acima do local onde havia ocorrido o crime. O corpo ainda estava lá e as aves de rapina planavam no alto esperançosos de que os humanos talvez lhes deixassem aquele banquete. Os dias passaram e correu a notícia de que o assassinato ocorrera devido a uma dívida não paga com o tráfico. Para os homens de bem - cidadãos de classe média pagadores de impostos e tementes a Deus - o crime em si, embora 22