LiteraLivre Vl. 3 - nº 14 – Mar./Abr. de 2019
adquirirem mísseis terra-ar e derem luta às forças governamentais, de igual para
igual, aí, senhor Fontoura, pode ser tarde. Aí, podem já estar ao preço das ações
da Guerra da Síria, que ainda é um bom produto, sempre a jorrar dividendos,
mas a que já não se pode chegar. Agora, só os grandes bancos e os
conglomerados financeiros dos países ricos as podem comprar. Aliás, nem sequer
aparecem à venda.
Fontoura parecia em choque. Pressionado pela pausa do gestor, acabou por
murmurar:
— Guerra?
— Sim, claro; tudo o que dá dinheiro é bom para investir…
— Refere-se a empresas de armamento, não?
— Também; mas a gestão por objetivos obrigou a que se separassem as
áreas de aplicação — Guerra do Iraque, Guerra da Síria, Guerra da Ucrânia —,
cada uma com o seu fluxo de capitais e o seu retorno, por um lado, e a junção de
várias empresas no mesmo esforço de produção. Um mesmo objetivo engloba,
certamente, empresas de armamento, mas também empresas de reconstrução,
empresas de segurança, até empresas de comunicação social, todas unidas no
mesmo esforço de manter a guerra em atividade. O pior que pode acontecer é,
sem se esperar, os contendores fazerem as pazes. Essa é a única situação em
que os investidores podem perder grande parte ou todo o capital, porque as
ações vêm por aí abaixo.
— Mas, isso é horrível! — reagia, finalmente, Fontoura, acompanhando as
palavras com uma expressão de repugnância. — Então e as cidades destruídas,
as mortes de crianças, as populações em fuga a atirarem-se ao Mediterrâneo de
qualquer maneira, em barquinhos sem condições, a preferirem o risco de uma
morte por afogamento à vida demencial em zona de guerra?
— Bem, realmente há algumas associações de intervenção social que
chamam Stinky Ethics Products aos SEP, como quem diz Produtos de Ética
Pestilenta, mas a pessoa quando entra no mundo financeiro é melhor nem saber
em que é aplicado o seu dinheiro. É como os frangos — gostamos do sabor, mas
não queremos saber como são criados.
20