LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
– Eu passei ontem de carro por aqui e vi a senhora. Faz tempo que não tínhamos
notícias suas. Perdoe-me, mas agora eu preciso ir. Só queria ver se estava bem.
A moça se levantou aflita. O momento parecia incomodá-la também:
– Até breve – disse enquanto se afastava da velha sentada.
Ela olhou para a garrafa e a apertou, como se sentisse uma forte contração.
– Como ele está?
A moça parou e deu um sorriso, que foi rapidamente consumido pela dor que a
lembrança parecia trazer.
– Ontem ele disse a primeira palavra. Ele falou “mãe”.
A velha sorriu enquanto seus olhos lacrimejavam.
– Ele é esperto como o pai era.
– É sim – respondeu a moça, também emocionada com a conversa. – Eu
realmente preciso ir.
– Eu entendo. Não se preocupe. Obrigada!
– Se precisar...
– Não. Não se preocupe. Estou bem. Sério!
A moça ainda tentou esconder a preocupação enquanto saía. A realidade é que
as duas tentavam demonstrar superficialidade. A velha a assistiu partir e fuçou a
sacola. Encontrou um agasalho, que vestiu no mesmo instante. Mais no fundo da
sacola achou uma foto de um bebê, na qual ficou minutos parada, olhando. Após
isso, deitou-se e dormiu agarrada à garrafa. Ninguém sabe ao certo o que
sonhava. Era apenas ela, vivendo sua própria vida solitária em um universo no
qual era hóspede indesejada.
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