Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 84

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 Insulamento Alessandra Barcelar São Paulo/SP Aquela senhora sentada na calçada todos conhecem, apesar de lhe negarem o olhar. Todos da cidade já foram abordados pela velha, que pedia esmola com uma cara de choro. Mesmo assim, ninguém sabia seu nome ou sequer conhecia a história que antecede aquela situação dramática a qual se acomodara. Uma mulher sem futuro e sem passado. Alguns diziam que ela era uma pessoa normal e que desistiu da vida que tinha, se rebaixando ao cotidiano humilhante. As noites na praça eram regidas por uma pequena quantidade de iluminação pública, que se transformava em atrativo para casais de namorados e más companhias. Para aquela senhora, apenas um cobertor velho a protegia daquele mundo sombrio. Ela dormia agarrada a uma garrafa. Ninguém sabe ao certo o que sonhava. Ninguém conhecia sua perspectiva de vida. Era apenas ela, vivendo sua vida solitária em um universo que não era o seu. Se não acordasse na manhã seguinte, sabe-se lá quanto tempo demoraria até perceberem. Aquela tosse rouca coçando a garganta causava desconforto. Ouviu passos de alguém se aproximando, mas não se sentiu assustada. Na verdade, o som produzido pelo salto despertou curiosidade. Aquela praça não era um local indicado para passeios noturnos. A velha demonstrou espanto ao perceber quem se aproximava e tentou disfarçar a emoção contida naquele encontro. Sentou-se ainda segurando a garrafa. O olhar buscava sempre o chão, como se sentisse dor ao enfrentar os olhos da moça que se sentava ao seu lado: – Trouxe umas roupas – disse a moça, deixando uma sacola no chão, entre as duas. A senhora puxou a doação para próximo dos pés e agradeceu, desconcertada. As duas ficaram em silêncio, sentadas no banco da praça mal iluminada. 80