Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 68

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 Fodam-se os Pandas! Vitor Luiz Leite Rio de Janeiro/RJ O pobre não tem tempo pra se importar com o buraco na camada de ozônio ou a extinção do urso panda: o egoísmo é a única arma e proteção que ele tem. Ele sabe que o sol logo vai nascer e mais um dia, enchendo o rabo de um burocrata engravatado com dinheiro, vai jogar areia de gato nos seus olhos. Pode sentir isso na fumaça do cigarro enquanto espera o trem na plataforma molhada. Facilmente consegue perceber no calor do copo de plástico que aquece sua mão. As pupilas ainda dilatam enquanto desce queimando ao que o dia começa. Fodam-se os pandas e a luta de classes; é preciso segurar o emprego ao menos até outubro, quando os gêmeos fazem seis. Melhor então que seja até janeiro; a ceia de natal ainda nem foi comprada. Todo grito de união e brado ao coletivo é apenas um fetiche burguês pelego. Os ricos podem se preocupar com o futuro do planeta. Eu apenas espero que as compras no mercado não ultrapassem os duzentos reais; mas sempre passam. Fodam-se os pandas! Deixem que os artistas se preocupem em educar as gerações: Quem precisa de médicos e engenheiros quando se tem uma geração inteira de universitários descerebrados psicóticos, que alimentam suas depressões e complexos sob a luz dos holofotes midiáticos? O que pode dar errado num mundo onde todos querem ser bobos da corte? Fodam-se os ursos pandas... e os golfinhos... e toda criatura bela o suficiente para despertar qualquer empatia ou amor nos podres corações disformes e lamacentos que compramos à prestação. Vivemos a pior geração de que se tem notícia! Somos o chorume na lata de lixo da história humana! Somos o refluxo do tempo agonizando sob um muro sem alicerces, rezando para que a chuva o derrube de uma vez e esmague nossas cabeças! Somos os colonos que cultivam o solo seco e quebradiço nessa esquina da realidade em nossas consciências; uma bela lavoura de pesadelos frescos! A produção em massa de líquido amniótico engarrafado. As caixas empilhadas de fetiches retóricos. Somos os batizados no charco, na lama, os que saciam a sede nas poças e se banham no suor de febris operários fabris. Fodam- se os pandas! Os retratos e monumentos já não mais nos esperam. As fotografias amarelaram e os vestidos de noivas foram consumidos pelas traças. Carcaças 64