LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
Adeus filhos de umbanda
Pássaro verde já vai embora.
Estava, portanto diante de um Rei, um valoroso Guerreiro, o Chefe de um
povo que sobrevive nas memórias e nos Encantamentos do Antigamente.
Pássaro Verde chegava voando, como o pássaro que alegrava meu horizonte ao
anoitecer, mas que sempre me deixara triste partindo no raiar do dia. Seu olhar
penetrou minha alma, me parando os caminhos. Fiquei de pé admirando a
profundidade de seus olhos, um Rio corria dentro deles. No alto de sua cabeça,
exibia-se um lindo penacho esverdeado como as Sete Matas, símbolo de sua
nação.
Ele parou na minha frente e me disse por entre um sorriso florido:
Vivemos uns nos outros. Esse é um exercício contra o tempo. Um acerto feito
pela memória. Um meio de continuar depois de partirmos.
Sua voz me recordava os campos. Soava como os espreguiçamentos do
dia ao se levantar. É que o dia se espreguiça inspirando a cantoria nos corações
dos pássaros. Quando a mágica acontece: os músicos originais entoam a canção
que é o dia se espreguiçando, ordenando que todas as coisas comecem a dançar.
A voz do índio era o som destes pássaros, era a música que anunciava o final da
escuridão e o nascimento da luz.
Por isso eu via que ele não falava em palavras, eram outras coisas que
flutuavam a partir de sua boca. Essas coisas eu tentei traduzir para uma
linguagem mais próxima do seu perfume. Eram macias ao tocar minha pele e não
se perdiam no escuro da noite. Elas adentravam a escuridão e acendiam-se como
vagalumes, trilhando um caminho. Senti em meu coração que deveria segui-lo.
As flores vagalumes de sua boca iluminavam minha escuridão...
Aquelas flores eram como palavras doces. Não haviam, entretanto
palavras. Eram flores que voavam e que perfumavam o ar entre nós. Sua boca
era cheirosa como o prado que perfumava minha infância. E eu via o prado
dentro dela, era dele que as flores voavam em direção a mim abrindo o caminho
a minha frente. O prado estava iluminado por uma lua azulada. No alto do céu de
sua boca pairava ali o espelho do dia, embelezando o prado.
Aquele índio possuía as qualidades do Antigamente, quando os seres que
habitavam esse mundo conduziam em si as Coisas Sem Valor. Quis me demorar
muito ali. Mas um clarão no céu me chamou a atenção. Retirei o olhar de sua
boca. Subi a vista em direção ao céu que nos cobria. Nele faiscavam estrelas.
Aquelas formosas criações estendiam seus brilhos desde escuridão até nós –
disputando com as flores vagalumes daquele índio. Dançarinas da escuridão.
Artesãs da luz. Deusas do fogo vivo. Suas faíscas inundavam as areias das
dunas, cristalizando ainda mais grãos. No meio delas o espelho do dia se acendia
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