LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
Ao seu turno, um vento macio vez por outra me atingia delicadamente
com a areia. Aquele gesto era como um oferecimento. Uma promessa de doçura.
Essa doçura manifestava-se na areia, que não maltratava meus pés, senão me
levava até aquilo que havia me chamado. A luz emanada pelas estrelas me fez
ver mais claramente aquele destino: o tempo tinha se rasgado e me engoliu para
os morros. E eu sei o que existe acima dos morros.
Portanto, não caminhava sobre nuvens, mas sobre dunas de areia macia.
Senti um sopro do mar e ouvi tambores tocando há certa distância. A música do
Congá chamava para si o mistério das ondas. E nelas se ajuntavam aquele clarão
das estrelas. Aquilo se fazia em magia para minha percepção. O destino que
havia me chamado foi a Magia.
De repente, uma figura surgiu acima das dunas. Uma aparição a qual
conheço bem, pois faz parte da minha memória de criança, nas músicas cantadas
para me embalar. Uma música que significava partida, uma bela despedida feita
por um Ser Encantado que não se demora jamais. Sua presença era para mim
um doce alento, mas era tão fugidia quanto um passarinho. Eles chegam, se
aprumam sobre as árvores, entoam melodias encantadas e vão se embora antes
que possamos pedi-los para ficar. A canção de um pássaro é como uma
continuidade para nossos desejos e seu voo é aquilo que desejamos tanto: a
liberdade. Seu canto é um mistério que só acontece em plena liberdade. E seu
voo é o exercício de ser tão somente vento.
Talvez seja por isso que os invejamos tanto e inventamos asas. Talvez
seja por isso que sua singela presença – oh! Um pássaro não requer luxo, além
da maciez de seu cântico – seja capaz de nos restituir às demoras pelas quais
esperamos tanto. Existem esperas que fazemos pelas demoras. E existem
demoras que não esperam por nós. Elas vão embora antes que nos demos conta
de sua importância. Oh! Existem demoras nas quais gostaríamos de nos demorar
para sempre, porquê elas nos descomeçam em mistérios que só a noite pode
abraçar.
A noite é um mistério que nos interroga sobre nossos mistérios. Ela se
ausenta do mundo para morar dentro de nós durante o dia. E quando chega a
hora de nascer, sua grandeza corrompe o dia até que ela possa reinar outra vez,
enquanto ele agoniza em beleza. Aquele pássaro que chegava era um filho da
noite e um começo do dia. Ele sempre se distanciava na madrugada, quando a
luz encantava o horizonte, desfazendo a escuridão. Ele trazia o cheiro das
árvores e quando partia, elas choravam copiosas borboletas – as estrelas do
amanhecer. Assim dizia seu cântico de partida:
O dia já vem raiando,
Os pássaros cantam
E os arvoredos choram
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