Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 109

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 berrávamos palavras feias, palavras tão obscenas que as meninas que nos assistiam pelas frestas das janelas ficavam arrepiadas de prazer. E cantávamos e dançávamos felizes no meio da rua e nas gramas proibidas de pisar, numa ciranda infernal. Então raspávamos a lata de conservas roubada do mais luxuoso supermercado da cidade e conservávamos nosso ser bebendo pinga até nos machucar de tédio. Isto se nenhuma viatura-policiato-militar não nos decepasse a ronda, ou não nos eliminassem por falta de prediletos civilizados. Ah! E a paixão insana, de puro incesto, que sentia por mamãe, quando a via recostada no batente da porta com o olhar no vazio, imaginando distâncias e desconhecidos pensares? Que para mim era mais longe e desconhecido ainda. Lícia. Era esse o nome dela. Embora eu quisesse que ela se chamasse Suzana. Oh, Suzana! Como ela se parecia com uma Suzana. A despeito disso, não me redimo dessas transgressões. Nem estou querendo isentar minhas culpas, pois, como sei e tenho siso, todo ser humano é passível dessas e de tantas outras extravagâncias. Estou apenas cumprindo os ditames da natureza do homem, inerentes a nós abjetos seres. Visto que, em cada um de nós há um cristo a ser crucificado, seja por culpa ou por idolatria. Foi nesses pensares profanos em que me encontrava que o garçom tocou em meu ombro, despertando-me do transe, e disse: — Moço, olhe a água nos seus pés. Estamos lavando o bar... Já estamos com meia porta arriada... Vamos fechar... Por favor, o senhor não quer acertar a conta?... Paguei. Pois, não dava mais tempo de lembrar de nada. Tampouco o garçom queria conversar comigo. Num repente, levantando a porta semicerrada, entram três homens no bar, de arma em punho, gritando energicamente. Assaltante 1: — Todos parados aí. É um assalto! Garçom: — Ai, meu Deus, nos acudam! Assaltante 2: — Aí cara, para de escrever essa merda! Não se toca não... Isso é um assalto. O Escritor: — Entendi, entendi. Só vou assinar a obra. Assaltante 3 :— Ah! Isso aí é uma obra, é? Pois não precisa não, vamos levar essa merda assim mesmo. Assaltante 1: — Nós não precisamos de autor. Só precisamos do papel pra limpar a bunda daquele cagão ali, — apontando para o garçom, que está tremendo, de cócoras, ao pé do balcão —. E pra você este confeito, aqui. — aperta o gatilho acertando-o entre as sobrancelhas. Assaltante 2: — Rá... Rá... Rá!... Vamos limpar uma merda com a outra. Vai lá garçom, opera a lagartixa que já está sem alma e sem obra. Assaltante 3: — Rá... Rá... Rá!... E a obra na merda e sem autor. [email protected] 105