Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 107

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 O Escritor Paulo Luís Ferreira São Bernardo do Campo/SP Em seu memorável monólogo, “Os Malefícios do Tabaco”, Anton Tchekhov conta que um sujeito foi solicitado para dar uma conferência. Como não sabia o que dizer dissertou sobre os males causados pelo tabaco à saúde humana. No entanto, a plateia via estupefata à quantidade de cigarros que ele, o palestrante, fumava enquanto discorria sobre o assunto. Como tal, propuseram-me escrever sobre um autor sem obra, ou uma obra sem autor. Mas que obra, que autor? Se não sei discernir sobre essas questões, se male-male sei de mim. E mesmo assim, o que sei é que agora uso óculos, meus cabelos pratearam e a barriga está levemente salientada, e estou mais paciente. E só isso. Nada mais sei de mim, muito menos de ninguém. Como disse Sócrates, tudo que sei é que nada sei de coisa nenhuma. Mas como eu não sou de levar desaforo pra casa, e no afã de demonstrar desprendimento e espírito aberto para as grandes empreitadas da vida, me comprometi. E aqui estou eu tentando escrever o que não sei e se algo escrever sei que nada disse. Mas promessa é dívida, diz o dito. E assim sendo sentei-me à mesa de um bar sem nada pensado. Quando o garçom me trouxe a cerveja pedida eu já estava meditando, olhando o chão como um crucificado do alto de sua cruz. O corpo cravado numa teia de temas, lembranças, ideias e frases soltas aos borbotões. Depois fitei o copo de cerveja que, com esmero, analisava as vísceras da espuma através das bolhas, e percebi nitidamente a ação do ácido fermentando o gás carbônico, protagonizando a árdua luta entre o lúpulo e a cevada para deleite da levedura. Os cotovelos fincados na mesa formavam duas alavancas, as mãos duas plataformas segurando uma melancia em cima do pescoço. Fiquei um tempo assim: parado. O pensamento girando num rodamoinho de luz e espasmos de escuridão. Uma ânsia de dizer o indizível me estraçalhava as entranhas. Uma vontade incontrolável de ir a Brasília matar todos os ratos. Mas nada mudou. Nada escrevia nada sabia dizer, tudo não passava de inconclusas conclusões desvairadas. O medo de tornar-me um escritor maldito, definitível, me desnorteou. O mundo precisa de mais um Henry Miller, um Charles Bukowiski, um Marquês de Sade?... O dilema me levou à zona obscura do raciocínio. Aquela que leva ao insondável mundo da infância. Eu não tinha dúvidas de que ali, no recôndito das lembranças infantis se localizavam o mundo das ideias acabadas, perfeitas, incontestáveis. Embora ainda estivesse confuso e cheio de indefinições, mal vislumbrava através da lembrança, mesmo sabendo que discorrer sobre reminiscências de quando se era menino é correr o risco de relatos sem o menor compromisso com a lógica dos fatos e sua veracidade. Porque para narrar às 103