LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
O Britador
Fernando Antônio Fonseca
Belo Horizonte/MG
“ Deus arruinará os que arruínam
a terra”
(Apocalipse 11,18)
Estão todos lá à espreita, esperando um motivo para descolorir as montanhas
escavadas, a rocha que um dia foi uma paisagem admirável e hoje é apenas uma
fraude que ignoramos.Passam os homens da companhia, robots de roupa
amarelada, operando máquinas gigantes, ajuntando nos pátios minério e
corações lacrados. Enquanto isso, os sinos tocam,o povoado acorda,o
acampamento desperta. O sol cumpre sua rotina. O dia passa na imagem de uma
moça bonita que- alheia à tudo- mostra partes do corpo numa casa de terreiro
sem muros,estendendo roupas no varal, e suplicando que algum funcionário a
corteje e a leve para o altar. Onde o padre a benzeu num dia ruim, e desejou-lhe
graças e dádivas em nome do senhor. Oh! senhor, porque iludes tanto uma
mulher que respira poeira e toca o sexo esperando tua unção? Porque senhor,
permites a ruína de uma porção de vida, o ambiente que se esvai? Tenha
piedade, senhor, e devolva ao homem o que é do homem, e a césar o que é de
césar.
A moça não tem um nome, mas sim a alienação de uma personalidade
mansa. Ela retém na saliva o último beijo que praticou. Foi com um caminhoneiro
fora de estrada, Múcio, que havia se apaixonado por ela, e partiu quando se viu
desempregado, sem perspectivas de sobrevivência no interior do país. De Minas
Gerais ou Pará? Esqueci-me de dizer: ela era das minas de timbopeba e
capanema, interior bravo de minas. Onde urubu voa de lado. Mas, como ia
dizendo, a moça a princípio esperava pela volta do caminhoneiro, que prometeu
retornar para levá-la, prometendo-lhe mundos e fundos. Entretanto, com o
passar do tempo, ele não mais deu notícias nem explicações, sua
correspondência se tornara cada vez mais rara, e ficou o dito pelo não dito. A
moça perdeu a ilusão, trancou-se na rotina de uma família pobre do interior, e,
não obstante, ainda não esquecera o caminhoneiro de vez.
Um dia a moça resolveu tentar o azar numa cidade grande. Olhou no mapa e
decidiu: São Paulo! Carregou na viagem de ônibus seus pertences e um endereço
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