Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 81

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 Quando senti que podia andar bem, ganhei o mundo. Ou foi o mundo que me ganhou? Claro, não me virava tão bem sozinho quanto ao lado dos velhos. Mas era bom me sentir livre, sem horários, sem restrições, sem castigos, dono de mim mesmo. O que aprendi na vida foi por esforço próprio, dessas andanças pelas ruas, no convívio com outros moleques, que os senhores chamam de menores abandonados. Abandonados, éramos desprezados, deserdados. Pais que não nos queriam, adultos que não nos amavam, governo que não nos dava um tratamento adequado. Mas quem tinha culpa nessa história? Meus pais que eram desinformados e não souberam me evitar, essa gente ocupada pensando no dinheiro que tem que ganhar, o presidente da república com milhões de problemas prá resolver e só um sorriso acompanhado de uma palavra amena prá esses cidadãos fudidos que fazem parte do povo? Desculpa, dr., sou um revoltado mesmo. Aliás acho que aqui é só o que dá. Gente que, por um motivo ou outro se sente no direito de criticar Deus e o mundo pela sua infelicidade. Mesmo que ela seja, em parte, nossa própria responsabilidade. Sabe o que mais eu queria ser neste mundo? Nem imagina? Puxa, eu queria ser escritor. Tem tanta gente que conta esses lances pitorescos da vida, inventa umas bobagens e acaba ganhando um dinheirão. Minha vida daria um romance, doutor. Mas é uma pena, mal consigo escrever meu nome, endereço, profissão, Profissão? Sei lá. Aprendi tanta coisa por aí, Encanador, eletricista, funileiro, carpinteiro, pedreiro, pintor. Andei roubando umas coisinhas também. Ladrão é profissão? Acho que é. É um meio de ganhar a vida. E o sr., doutor, não ganha a vida com a desgraça alheia ? Desculpe, não quis ofender, não me leva a mal, não. Sabe o que é que eu acho? No fundo, no fundo, é só teatro. A gente faz de conta que é revoltado, desequilibrado, viciado e vocês fazem de conta que podem 75