LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Quando senti que podia andar bem, ganhei o mundo. Ou foi o mundo que
me ganhou?
Claro, não me virava tão bem sozinho quanto ao lado dos velhos. Mas era
bom me sentir livre, sem horários, sem restrições, sem castigos, dono de mim
mesmo.
O que aprendi na vida foi por esforço próprio, dessas andanças pelas ruas,
no convívio com outros moleques, que os senhores chamam de menores
abandonados. Abandonados, éramos desprezados, deserdados. Pais que não nos
queriam, adultos que não nos amavam, governo que não nos dava um
tratamento adequado. Mas quem tinha culpa nessa história? Meus pais que eram
desinformados e não souberam me evitar, essa gente ocupada pensando no
dinheiro que tem que ganhar, o presidente da república com milhões de
problemas prá resolver e só um sorriso acompanhado de uma palavra amena prá
esses cidadãos fudidos que fazem parte do povo?
Desculpa, dr., sou um revoltado mesmo. Aliás acho que aqui é só o que dá.
Gente que, por um motivo ou outro se sente no direito de criticar Deus e o
mundo pela sua infelicidade. Mesmo que ela seja, em parte, nossa própria
responsabilidade.
Sabe o que mais eu queria ser neste mundo? Nem imagina? Puxa, eu
queria ser escritor. Tem tanta gente que conta esses lances pitorescos da vida,
inventa umas bobagens e acaba ganhando um dinheirão. Minha vida daria um
romance, doutor. Mas é uma pena, mal consigo escrever meu nome, endereço,
profissão,
Profissão? Sei lá. Aprendi tanta coisa por aí, Encanador, eletricista,
funileiro, carpinteiro, pedreiro, pintor. Andei roubando umas coisinhas também.
Ladrão é profissão? Acho que é. É um meio de ganhar a vida.
E o sr., doutor, não ganha a vida com a desgraça alheia ? Desculpe, não
quis ofender, não me leva a mal, não.
Sabe o que é que eu acho? No fundo, no fundo, é só teatro. A gente faz de
conta que é revoltado, desequilibrado, viciado e vocês fazem de conta que podem
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