Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 59

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 Corsário João Rosa de Castro São Paulo/SP — Lá vem a dieta. Me sinto uma minhoca. — Não é só isso. Estou aqui, ajudando você a refletir sobre esses anos todos que você viveu. — E posso confessar que vivi? A única coisa que fiz foi ter o conhecimento atento e aprofundado de um instrumento musical. — E os excessos de comida, bebida e sexo? Não contam? — Há! De sexo, eu só tive o que se pode provar: meus dois filhos desnaturados. — Quer esquecer que teve de pensar pesado sobre tudo que viveu. — Que vivi, não… Que vivemos. Afinal você está em mim. — É verdade, mas eu sou imaterial e posso desaparecer, e você é eterna, perdurará, nem que seja em despojos depois da morte. Quanto a mim, não sei se silencio, se escureço quando houver de fato morte. - Ah… Como eu queria que ela viesse logo… - Durma, agora que está alimentada. Vou ficar aqui refletindo sozinha em mim ou trarei sonhos. Opto por sonhar com aquela noite no Teatro Municipal do Amazonas. Foi nossa melhor e mais emocionante performance. Éramos solo. O violino ecoou como nunca. Estávamos de vestido cor-de-rosa. Pensáramos que não haveria público convincente, mas o público nos surpreendeu. A plateia nos aplaudia de pé. Continuo sonhando com uma transa com aquele maestro. O nome dele era Hélio. Sonho com sexo intenso com ele. Acordamos. — Por que esse sonho? Eu nunca tive desejo por aquele homem. Você sempre dizia na minha orelha que onde se ganha o pão não se come a carne. E agora me vem com essa? — Era um belíssimo português fazendo concertos pelo Brasil. Você não observou as investidas dele, no camarim? Não sabe o que perdeu. — Mais dieta. Que tédio. — Não reclame. — Você diz isto porque não fica olhando para essa televisão que nunca mostra o que realmente interessa. — Fico sim. — Não fica. Parece só querer participar do que me agrada, ou do que é normativo. Mas saiba que o som do violino faria muito bem para mim. E essas 53