LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Foi um período turbulento, com conflitos sociais diversos que só terminaram após
inúmeras discussões, manifestações, mortes, ferimentos, atentados e demonstração de
irmandade entre dois povos. A afirmação anterior, conforme explicado antes, foi parcial-
mente falsa.
Claro, existiram discussões, manifestações, mortes e ferimentos, mas foram a
Burocracia e a Publicidade que levaram à paz, através do caso do Menino-Seta.
O Menino-Seta foi um jovem que foi, certa vez, foi contratado como Homem-
Seta. Não se sabe se ele foi responsável por forjar documentos ou se seus contratantes
que não se importavam em burlar leis e contratar menores de idade por um menor pre -
ço, porém ele foi contratado para vestir a seta que indicava um condomínio de alto pa-
drão em uma região nobre da cidade de São Paulo. Seu papel era ficar em pé, no sol,
munido de sua placa, uniforme, uma garrafa d’água, uma banqueta e dos lanches que
um fiscal lhe entregava a certas horas do dia. O que importava era que não se sentasse,
para que a seta apontasse pro lugar certo.
Acontece que o Menino-Seta era jovem demais, subnutrido demais e, certo dia, o
sol estava forte demais. Uma coisa que robôs e seres humanos têm em comum é que
ambos demonstram problemas de funcionamento caso sejam expostos a altas tempera-
turas. O Menino-Seta, então, teve problemas de funcionamento e tombou em direção à
rua. Um carro que se aproximava não conseguiu frear a tempo e ele, cujo corpo não era
resistente a impacto como o chassi de um robô, deixou de funcionar de vez.
O assunto horrorizou a cidade, o estado e, por fim, o país e até mesmo outros
países, pois levantava uma série de problemas e perguntas. As discussões derivadas da-
quele momento acabaram por gerar uma série de novas leis relativas a trabalho infantil
e à sua fiscalização. Também geraram leis trabalhistas que efetivamente inviabilizavam o
trabalho da maior parte dos Homens-Placa, pois sua manutenção se tornava demasiada-
mente custosa.
Por outro lado, o que não era demasiadamente custoso, naquele momento, era o
preço de um robô. Assim, profissionais similares àqueles que idealizaram os Homens-
Seta, observando que nenhuma das legislações - tanto as trabalhistas quanto as publici-
tárias - deixava claro qualquer detalhe sobre o uso de robôs, passaram a comprar pe-
quenos exércitos de máquinas com inteligências artificiais simples, as quais alugavam
para anunciantes, criando Robôs-Placa, Robôs-Faixa, Robôs-Seta e inúmeros outros.
As discussões sobre os direitos de inteligências artificiais não haviam parado. Mi-
litantes humanos e robôs inteligentes ainda lutavam para que existisse igualdade peran-
te a lei, e os Robôs-Placa foram um problema considerável para eles. Afinal, se prega-
vam que todas as inteligências eram iguais, artificiais ou não, as mesmas regras de Ho-
mens-Placa deveriam se aplicar para Robôs-Placa.
Historiadores comentam que, na verdade, não foi a pressão social desses grupos
que causou qualquer efeito. Eles só ganharam força de verdade quanto um grupo de po-
líticos entrou na briga, impulsionados pelo apoio de representantes do mercado publici-
tário e de anunciantes de peso que haviam ficado para trás, mais sindicatos trabalhistas
que se viam ameaçados. O argumento, até então, era que os robôs violavam as leis de
publicidade por serem inanimados, mas bastou uma leve alteração de discurso para que
tivessem o apoio dos militantes.
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