LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
A publicidade na cidade, porém, começava a ser discutida. Falava-se que o ambi-
ente urbano era leniente demais com a poluição visual de anúncios publicitários, placas
identificadoras e até mesmo de Homens-Placa. Muito discutiu-se, até que a primeira de-
cisão foi tomada e praticamente todo tipo de publicidade de espaços públicos perdeu seu
lugar, à ameaça de multas exorbitantes Placas de lojas se tornaram mais discretas, le-
treiros luminosos foram desligados e, entre resmungos, com o tempo toda a cidade se
acalmou e acatou ao novo modelo.
Os Homens-Placa, porém, se viram subitamente fora da lei ou sem emprego. A
discussão logo foi percebida pela mídia, que fez seu papel, até que muito se falava sobre
a relevância do poder econômico desses espaços publicitários, incluindo, claro, os Ho-
mens-Placa, diretamente afetados. Logo, a burocracia permitiu que voltassem à ativa e,
assim, os Homens-Placa se viram livres novamente para anunciar.
Essa foi uma época especialmente preocupante para alguns profissionais, especi-
almente aqueles que dependiam de publicidade em espaços públicos. Uma vez que não
podiam utilizar placas, outdoors e cavaletes para indicar onde ficavam os locais ou pro-
dutos que queriam divulgar, tinham que contar com grandes investimentos em outras
mídias e com o bom-senso muitas vezes inexistente de seus públicos. Assim, quando
descobriram sobre a liberdade dos Homens-Placa, decidiram mais uma vez fazer uso da
evolução induzida, contratando mais indivíduos para divulgarem com seus corpos uma
diversidade ainda maior de produtos, serviços e informações. Nas mãos desses profissio-
nais da propaganda, além de novos Homens-Placa, o ambiente urbano via Homens-Seta,
Homens-Faixa - similares ou não a centopéias-humanas - e até mesmo Porta-Bandeiras,
aproximando ainda mais o Carnaval à publicidade.
O trabalho era relativamente mais simples que o Homem-Placa clássico, já que
em sua grande maioria, Homens-Seta deveriam apenas substituir um cavalete imóvel,
indicando uma direção única, sentando-se em banquetas ou ficando de pé apenas de
maneira para que o que divulgassem não se tornasse invisível a nenhum transeunte.
Qualquer discussão sobre a falta de humanidade desse trabalho - já que, como placas,
eles eram sujeitos a intempéries e à poluição de carros - era frequentemente dispensa-
da pelo mesmo argumento que tornou com que fossem possíveis: a geração de empre-
gos e a movimentação da economia. Ignorava-se para qualquer discussão, claro, que o
trabalho, diferente dos tradicionais Homens-Placa, era quase sempre temporário. Tanto
porque a única evolução que podiam ter era de diferentes adereços de publicidade,
quanto porque a maior parte dos anúncios era temporário.
E então veio a descoberta da fagulha de consciência que inaugurou a primeira in-
teligência artificial verdadeira. E em seguida mais centenas de milhares. Em pouco tem-
po, a humanidade se via cercada de mais inteligências do que nunca, e perguntas eram
inevitáveis.
Geralmente, para a preocupação maior dos humanos, eram as inteligências artifi-
ciais que faziam mais perguntas, ou, ao menos, as mais importantes. Eram perguntas
sobre liberdade, individualidade e identidade extremamente desconfortáveis para eles,
como, por exemplo, “Nós também temos os mesmos direitos que um ser humano?” ou
“Se nós somos potencialmente mais inteligentes que um ser humano, por que devemos
obediência?”
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