LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Compro Ouro
Rodrigo Ortiz Vinholo
São Paulo/SP
As respostas da humanidade às grandes perguntas sobre os direitos de inteligên-
cias artificiais não surgiram de sociólogos, antropólogos, teólogos, filósofos, escritores,
programadores ou roboticistas. Foram duas forças inóspitas, tão sob controle quanto fora
do controle humano: a burocracia e a publicidade.
Isso chegou com certa surpresa a todos, em especial àqueles que viam a noção
da criação de vida inteligente como sinal de superioridade humana. Se decepcionaram.
Décadas atrás, bem antes da criação da primeira inteligência artificial, havia uma
ocupação humana que havia se tornado parte do cenário de grandes centros urbanos
como a cidade de São Paulo. Eram os popularmente chamados "Homens-Placa" ou, al-
ternativamente, “Homens-Sanduíche”, pois vestiam placas rígidas que se penduravam
sobre seus ombros, à frente do peito e às costas, fazendo com que parecessem o re-
cheio de um lanche gigantesco.
Esses indivíduos vestiam-se com trajes de materiais diversos, que levavam uma
mensagem publicitária de um estabelecimento ou companhia. Anunciavam vagas de em-
prego, muitas vezes com remuneração superior à própria, anunciavam candidatos a car-
gos públicos, e divulgavam bens e serviços. O apelo de venda tradicionalmente reconhe-
cido de tais placas era de lojas que compravam joias e brilhantes, geralmente por um
baixo preço, para pessoas que precisavam de dinheiro rapidamente. O que elas geral-
mente diziam era "Compro Ouro", junto do endereço do estabelecimento que realmente
compraria o material.
Os Homens-Placa, como indivíduos vivos, tinham uma série de vantagens sobre
outras formas de publicidade: em primeiro lugar, possuíam a capacidade de fala. Em se-
gundo, de movimento. Assim, se movimentando e falando por ambientes públicos, con-
seguiam chamar a atenção de um público saturado de mensagens diversas, publicitárias
ou não, capturando a atenção alheia para o bem, serviço ou informação que estavam
anunciando. Como o excesso de pessoas e mensagens era comum a áreas como os cen-
tros de centros urbanos, eram um tipo de evolução induzida para que a publicidade so-
brevivesse nesses ambientes.
Se proliferaram tanto no centro da cidade de São Paulo, que se tornaram parte
do folclore local. Eram figuras que todos esperavam encontrar naquelas regiões. Muitos
moradores ou transeuntes nunca buscavam aquilo que ofereciam, mas aprendiam o con-
teúdo das mensagens com a naturalidade que sabiam que a luz vermelha dos semáforos
significava “pare”.
Mesmo com o passar dos anos e a evolução dos métodos de comunicação e pu-
blicidade, os Homens-Placa pareciam sobreviver. Trocavam-se os indivíduos, os negócios,
o material das placas, mas a função permanecia. Mesmo com informação instantânea e
onipresente.
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