LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
A todos que nunca choraram
Charles Burck
Rio de Janeiro/RJ
A todos que nunca choraram, eu nas noites chorava as tempestades guardadas
Dando luz aos olhos que nunca soluçaram por faltar-lhes o tempo
Eu que redesenhei as luas torturadas nas imagens dos homens sem sonhos
Com floreados infantis e risos meninos a compor sonos calmos,
Aos que morreram sem tempo de uma oração
Ditei palavras mornas marcando os caminhos das horas,
Recolhi os espelhos partidos para que os mares se espalhassem
Para que navegassem enquanto fitavam os astros
Aos perdidos das paixões gemi os fastios dos olhos que por vezes voltam pelos
caminhos em busca do amor
E supus os gritos das adolescências enterradas antes dos voos, os rebentos
fechados, as aves de olhos vazados à procura dos destinos dos desvalidos,
E eu, aonde ia? Se em todos tanto me perdia
Arranjei mil vezes tempo de partir, e revi as tardes onde ajeitei a cabeça no
travesseiro
Os homens voam, os aviões passam ao largo, as nuvens se cansaram da
atmosfera de outrora,
Buscam horizontes luminosos onde velhos céus não os transponham
Os sinos se calam às dores dos homens, mas aos esquecidos pelo amor, arrumei-
lhes as malas com roupas novas, e novas as doçuras das moças maduras,
Um canto sonoro com as palavras abandonadas pelos anjos, um quarto arejado,
as meninas com as saias à altura das coxas,
Fiz cartas de saudades às velhas senhoras que se atrasaram à morte,
Aos que nunca voltarão, apenas os lamentos, a peregrinação do poeta que
esqueceu como se escreve
Ao poema, a substância luminosa de forjada magia dá eternidade a tudo que o
sol não poder guardar,
Cada momento único da perene fragilidade dos homens,
Não morre como as vagas, guarda-se no seio do poeta, retornam mares ao
ventre do oceano."
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