LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
subitamente. O preto da íris dos olhos dela cresceu até cobrir toda esclerótica.
Foi então que percebi o homem do lado dela. Baixinho, barrigudo, bigode
retilíneo que fazia a boca dele parecer uma linha reta. O estranho tocou as mãos
dela no momento que os olhos dela ficaram sinistros.
Eu tive dúvidas entre continuar a andar, parar ou sair correndo e gritando.
Quase cheguei a dizer que estava precisando de calcinhas novas. Pensei em
pegar a chave na minha mochila para enfiar nela, caso ela chegasse perto de
mim. Depois, relembrei mentalmente como se vira o pescoço de uma pessoa até
quebrar. Mas não fiz nada disso. Só fiquei lá, estatelada.
Quando o homem deu um passo em minha direção, eu pensei que poderia
pular da ponte e dar um flecheiro no rio Capibaribe. Melhor morrer de doença
sanitária do que de bruxaria, afinal. A minha melhor opção era mesmo correr. Eu
corro bastante rápido, apesar de aguentar correr pouco por conta da asma. De
qualquer forma, aquelas duas estranhas criaturas de meia idade deviam aguentar
correr menos do que eu. Mas não corri, só fiquei lá, olhando.
Quando chegou ainda mais perto, o homem virou vulto. Eu dei um passo
para trás ou para o lado. A situação era tão bizarra que de repente meu corpo
relaxou completamente.
—Qual seu nome?
Enquanto minha voz saia, eu não acreditava que estava tendo a reação
mais imbecil que poderia ter. Nem ela, pelo visto. Abriu um sorriso horroroso e
amarelado enquanto me respondia: “Lúcifer.” Gargalhei.
—Lúcifer, como o diabo?
—Sou o diabo.
O diabo! Em pessoa! Ali, na minha frente. E era uma mulher que vendia
calcinhas! Comecei a chorar descontroladamente. Na minha cabeça só três
palavras: “Não me mate.” O diabo, provavelmente lê pensamentos porque sorriu
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