LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
A mulher que vende calcinhas
Carolina de Toledo Braga
Lumiar/RJ
Era um dia qualquer da semana quando ela entrou na agência. A
campainha gritou estridente. Eu nunca abro a porta da firma, mas daquela vez
eu era a pessoa mais próxima à entrada. “Estou vendendo calcinhas. Posso
mostrar algumas a vocês?”, falou baixo, resiliente, mas já nos empurrando para
entrar. Antes, estávamos paradas no caminho da copa conversando sobre um
remédio que Ise começara a tomar.
Nos entreolhamos, eu e Ise. E ficamos lá, caladas, por uns dois segundos.
“Talvez aquela menina queira”, disparei, enquanto apontava para uma garota
sentada na mesa de reunião, Helena.
Grisalha, com cabelo preso junto ao pescoço, os olhos dela eram pretos,
com formato amendoado. O batom rosa cintilante não combinava nem com o
bigode, nem com os dentes amarelos dela. Algo naqueles olhos me inquietavam.
Não sei o que. Nem me recordo da roupa, mas não poderia esquecer daquela
bolsa preta. Me lembrou uma antiga bolsa de voinha, como chamo minha bisavó,
na qual sempre me pareceu saírem objetos esquisitos de dentro.
A estranha puxou duas calcinhas rendadas miúdas daquela bolsa preta
enorme. Fez barulho de atrito em saco plástico velho. Eu e Ise, que já não
falávamos mais sobre remédios, balbuciamos qualquer coisa sobre o tamanho da
calcinha ser pequeno demais para a gente. A mulher circulou nas mesas das
outras garotas da agência, mostrando as calcinhas miúdas pra cada uma.
Ninguém comprou nada.
—Quem deixou essa mulher entrar? — perguntou qualquer pessoa. As quase
30 pessoas da agência chegaram a conclusão que a culpa era minha e de Ise.
Concordamos. Afinal, de quem mais seria?
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