Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 173

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 acrescentavam chucrute e linguiças cozidas. Em seguida as sobremesas. Sagu com vinho, pêssegos cozidos, doce de ameixas, compotas de quase todas as frutas existentes no pomar. Aos domingos tínhamos também “kartofellsalat” e cucas para o café da tarde. Não creio que algum médico ou nutricionista indicasse a dieta. Mas havia algo especial. Ao meio dia todos deixavam de lado os seus afazeres. Quem estava na lavoura retornava. Quem trabalhava no galpão se dirigia à cozinha. Meu avô dependurava o chapéu atrás da porta. Os cães, que sempre o seguiam, deitavam-se na frente da casa, esperando a sua vez. Todos sentavam nos grandes bancos de madeira feitos para aquela mesa de família. O relacionamento dos meus avós era problemático. A verdade é que não dividiam a cama há muito tempo, mas preocupavam-se em manter as aparências. Quando meu avô desejava atingir a esposa, recusava a sobremesa. Almoçava e levantava-se da mesa, partindo. Ela entendia o gesto e ficava furiosa. No meio da tarde ouvia-se o tilintar de talheres. Alguém estava parado na frente da geladeira aberta. Era meu avô comendo sobremesa escondido. Não sei se ele refletiu sobre suas atitudes em vida, pois num de seus últimos momentos de lucidez, conversou comigo. Recordo-me apenas de uma frase que ficou gravada em minha memória: “hoje eu tenho a comida que gostaria de comer, mas não posso comer”. Alguém disse que perdemos a noção do sagrado. E as refeições são sagradas. Não deveriam ser cada vez mais rápidas e solitárias. Mal nutridos e inconscientes do momento presente perdemos a satisfação de compartilhar uma refeição, de sentir o sabor dos temperos, a textura dos alimentos. Hoje, frequentemente, desperdiçamos a oportunidade que para outros foi o último desejo não atendido. 167