LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
acrescentavam chucrute e linguiças cozidas. Em seguida as sobremesas. Sagu
com vinho, pêssegos cozidos, doce de ameixas, compotas de quase todas as
frutas existentes no pomar.
Aos domingos tínhamos também “kartofellsalat” e
cucas para o café da tarde.
Não creio que algum médico ou nutricionista indicasse a dieta. Mas havia algo
especial. Ao meio dia todos deixavam de lado os seus afazeres. Quem estava na
lavoura retornava. Quem trabalhava no galpão se dirigia à cozinha. Meu avô
dependurava o chapéu atrás da porta. Os cães, que sempre o seguiam,
deitavam-se na frente da casa, esperando a sua vez. Todos sentavam nos
grandes bancos de madeira feitos para aquela mesa de família.
O relacionamento dos meus avós era problemático. A verdade é que não dividiam
a cama há muito tempo, mas preocupavam-se em manter as aparências. Quando
meu avô desejava atingir a esposa, recusava a sobremesa. Almoçava e
levantava-se da mesa, partindo. Ela entendia o gesto e ficava furiosa. No meio da
tarde ouvia-se o tilintar de talheres. Alguém estava parado na frente da geladeira
aberta. Era meu avô comendo sobremesa escondido.
Não sei se ele refletiu sobre suas atitudes em vida, pois num de seus últimos
momentos de lucidez, conversou comigo. Recordo-me apenas de uma frase que
ficou gravada em minha memória: “hoje eu tenho a comida que gostaria de
comer, mas não posso comer”.
Alguém disse que perdemos a noção do sagrado. E as refeições são sagradas.
Não deveriam ser cada vez mais rápidas e solitárias. Mal nutridos e inconscientes
do momento presente perdemos a satisfação de compartilhar uma refeição, de
sentir o sabor dos temperos, a textura dos alimentos. Hoje, frequentemente,
desperdiçamos a oportunidade que para outros foi o último desejo não atendido.
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