Revista LiteraLivre 12ª edição | Page 172

LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018 Último Desejo Micheli Biek Vera Cruz/RS Meu gato contraiu a leucemia felina. Nos seus últimos dias projetava as costelas pra cima e pra baixo em busca de ar. Tentava comer, mas a comida não parava em seu estômago, então começou a recusá-la. Observando a situação degradante do animalzinho pensava em dar-lhe um golpe de misericórdia. Vê-lo morrendo de fome aos poucos já se tornara insuportável. Na véspera de sua morte arrastou-se para dentro do canil da vizinha, onde a cachorra que quase o assassinara anos antes dormia tranquilamente. O considerei um ato suicida! Em vida fora um gato arredio. Não gostava de ser paparicado nem acariciado. Quando adoeceu, surpreendentemente, começou a procurar colo e carinho. Creio que eram seus últimos desejos. Curiosamente essa situação lembrou-me do meu avô. Diagnosticado com algum problema no coração, tratou-se por mais de um ano. Para provocar a esposa, tomava seus medicamentos com um gole de Velho Barreiro. Percebendo a piora constante, buscou nova opinião médica. O diagnóstico mudou para câncer de pulmão em estágio avançado. O breve tratamento quimioterápico, que se revelou mais destrutivo que benéfico, deixou o velho de cama. Esforçava-se para conseguir respirar. Sempre fora magricela, mas atingiu seu auge durante a doença. Era um saco de pele e ossos, que uma tarde despencou da cama. Um doloroso gemido alertou a mim e minha mãe. O colocamos de volta. Por sorte, não quebrou nenhum osso. Com a evolução da doença passou a ser alimentado por uma sonda. Apesar disso, pedia por um prato de comida. Queria sentir o gosto dos alimentos. Era doloroso para minha mãe negar o pedido, mas ele não podia. Engasgar-se-ia com a comida e com o catarro de seus pulmões, que estavam se decompondo. Minha avó preparava mesas fartas. Arroz, feijão, carne de panela com muito molho, aipim frito, batatas cozidas, saladas diversas. Vez por outra se 166